Em seu livro “Ecologia, grito da Terra, grito dos Pobres”, Leonardo
Boff expõe com grandeza a visão antropocêntrica do homem em relação ao
meio em que vive, e demonstra num parágrafo único, que ao invés de ser
tudo, o homem nada é diante do Universo:
“Esquece, entretanto, que o universo e a Terra não são resultado de
sua criatividade nem fruto da sua vontade. Ele não assistiu ao seu
nascimento, nem definiu a seta do tempo, nem inventou as energias
primordiais que continuam agindo no imenso processo evolucionário e que
estão atuando em sua própria natureza humana, parte da natureza
universal. Ele se encontra na retaguarda, como o último a chegar nessa
imensa festa da criação. Por ser anterior a ele, o universo e a Terra
não lhe pertencem. Ele, na verdade, pertence à Terra e ao universo. Se a
Terra não é o centro do universo, como é possível que o ser humano,
filho e filha da terra, se considere seu centro e sua finalidade?”
Infelizmente o Antropocentrismo: o homem como peça fundamental e
protagonista desse nosso Planeta, o início, o meio e mais do que
provável, o fim de tudo, é uma realidade e uma barreira difícil de ser
vencida. Para o antropocêntrico, nada além do ser humano possui valor
intrínseco ou qualquer direito ao conceito de alteridade, nada,
absolutamente nada é mais importante no Planeta do que seu ego. O que
mais nos chama a atenção nessa palavra tão conhecida , é ver há quantos
séculos as pessoas exploram os animais e que hoje, em pleno Século 21,
muitas ainda vivem presas a esse passado tão antigo e violento.
O paradigma Antropocêntrico, essa visão de que tudo que existe ao
nosso redor nos pertence para que façamos com ele o que quisermos e o
que bem entendermos, parece já ter surgido durante a concepção do ser
humano, porém, com toda certeza, não pode mais fazer parte do pensamento
da humanidade, posto que tal paradigma nos leva a uma visão perigosa,
tanto para humanos quanto para não humanos:
Tudo pode e deve ser feito em beneficio único e exclusivo dos seres
humanos, não importando aí o que será destruído em seu benefício o que
nos leva a exploração total dos recursos da Natureza, o uso brutal dos
animais nas mais diversas áreas e com as mais absurdas alegações de que:
Tudo no mundo é para nosso bem estar. A maioria que ainda pensa assim, o
faz porque não conseguiu se livrar do peso das “mentes antigas” que
exigiam o comando do conhecimento em todas as áreas: Ciência. Religião.
Estado.
Esse é um dogma que persegue o homem até os dias atuais, talvez pelo
simples fato de que alguns temam as mudanças, temam mudar seus valores,
já que o orgulho os impede de caminhar e os impede de sequer imaginar,
que um animal que durante muito tempo foi considerado um ser inferior,
possa ter direito a vida tal como os seres humanos. Se isso acontecer,
sobre quem o ser humano irá reinar então??? Talvez por esse ângulo seja
bem mais fácil identificar a resistência ao fim desse paradigma, essa
irracionalidade em se admitir tal verdade que viria a “ferir” a tola
vaidade humana.
O motivo pelo qual, muitos alunos em cursos que utilizem animais ou
não, jamais contrariarem seus mestres, nada mais é do que o medo da
desaprovação, o medo de parecerem ridículos diante de suas convicções;
eles não temem, contudo, apenas a reprovação, mas se envergonham em
admitir perante professores e colegas que os animais possuem direito a
vida e a liberdade, e que não foram feitos, a não ser dentro da mais
medíocre mente humana, para servirem aos humanos.
Alguns alunos, talvez a grande maioria, ainda mantém dentro de si o
Paradigma Antropocêntrico e não o combatem, acreditando que o professor
sempre tem razão, “Magister dixit1″, quando julgam os animais humanos
superiores diante dos animais não humanos. Talvez muitos desses alunos
sequer gostem de animais, outros talvez tenham seus cães e gatos em casa
e os adulem com mimos e guloseimas, porém, por uma razão que já nos é
conhecida, não admitem que os animais de laboratório que servirão para
um falso aprendizado, mereçam o mesmo amor e o mesmo respeito daqueles
animais que deixaram em suas casas, que podem sentir tanta ou mais dor
que seus bichinhos, levados a alguns veterinários que fizeram com
certeza, a mesma opção de se omitir diante disso.
Ao se negarem a expor seus pensamentos por medo de serem
ridicularizados, o que geralmente acontece diante de seus colegas, o que
deixam de perceber é que depende muito mais deles do que propriamente
de seus professores antropocêntricos, uma mudança ética no ensino.Não
achem eles que seus professores, alguns muitos mais antropocêntricos do
que outros, irão lhes dizer que usar animais em aulas didáticas, que
alimentar-se de animais, ou usar suas peles como roupas, é uma
desconsideração com os valores da verdadeira ética e da verdadeira
moral, ou que incluir o tema de expansão da alteridade moral aos
animais, fará parte do currículo acadêmico dessa ou daquela disciplina.
Cabe a cada um, a cada aluno, vencer qualquer paradigma a fim de
demonstrar que o antropocentrismo não eleva o homem, mas que é o
responsável pelos maiores problemas que a História já presenciou. Um
aluno não pode permitir que seja tirado dele seu senso de ética e de
valor da vida, diante do que lhe é transmitido. Não é mais possível que
hoje, com os conhecimentos que adquirimos no decorrer de anos, ainda nos
esqueçamos de que os animais sentem medo diante da morte nos
abatedouros ou que sentem dor durante as aulas de vivissecção.
“Pertencemos ao Universo, não somos donos dele.” (F. Capra)
E não sendo donos do Universo, não temos o direito de dispor de nada
que pertença a ele, nada que cause sofrimento ou morte. Os futuros
doutores de amanhã, precisam mostrar aos seus professores de hoje que
existem sim métodos alternativos. Os futuros filósofos precisam criar
sistemas com valores baseados nos conceitos de respeito, compaixão e
alteridade afim de que seja possível moralizar os indivíduos diante da
natureza, dos animais e de si mesmos.Os alunos precisam muito mais do
que apenas frequentar as aulas, precisam buscar conhecimentos fora
delas, principalmente os conhecimentos que seus professores jamais irão
lhes mostrar. Principalmente os filósofos precisam se ocupar dessa idéia
de libertação, de alteridade para com os animais, para que a ética em
relação a eles mude de tal forma que a fidelidade que antes era
destinada a apenas uma espécie, passe a ser uma fidelidade pela Vida.
Não somos o centro de tudo, nem tampouco a medida de todas as coisas,
nem o eixo no qual o Universo gira, não é a razão que nos separa dos
animais mas o nosso orgulho e a nossa vaidade.
“(…) houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes
inventaram o conhecimento. Este foi o minuto mais soberbo e mais
mentiroso da .história universal, mas foi apenas um minuto. Depois de
alguns suspiros da natureza, o planeta congelou-se e os animais
inteligentes tiveram de morrer.” (F. Nietzsche)
O antropocêntrico se dispensa da alteridade para com aqueles que
passa a julgar inferior, se dispensa da ética e de toda moralidade
quando se coloca acima de qualquer outro ser.
Portanto, essas desconsiderações de valores, apoiadas somente na
vaidade antropocêntrica dos seres humanos pode, daqui a alguns anos, ser
apenas uma lembrança de uma raça que abusava dos recursos do meio em
que vivia para proveito próprio, colocando-se como um ser acima da
natureza, e não ao lado dela:
“[...] Imagina-se um ponto isolado e único, fora da natureza e acima dela. Arrogantemente se dispensa de respeitá-los.” (L. Boff)
“[...] Imagina-se um ponto isolado e único, fora da natureza e acima dela. Arrogantemente se dispensa de respeitá-los.” (L. Boff)
Podemos imaginar a partir desse ponto, o caos em que o Planeta ainda
pode se transformar se não ocorrer a mudança desse paradigma para um que
privilegie a vida, e não somente uma determinada espécie.
Referências Bibliográficas
BOFF, Leonardo – Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres
NIETZSCH – Friedrich – Os Pensadores – Verdade e Mentira no Sentido Extra Moral
Nota
1 O mestre (o) disse”. É uma frase proverbial , que ficou popular
pelos estudiosos se Aristóteles, para que a opinião de um mestre não
admitia, em hipótese alguma, uma réplica.
Simone Nardi
Simone Nardi – criadora deste blog e do antigo Consciência Humana, colunista do site Espírita da Feal (Fundação Espírita
André Luiz) ; é fundadora do Grupo de Discussão Espírita Clara Luz
que
discute a alma dos animais e o respeito a eles.Graduada em Filosofia e
Pós-graduada em Filosofia Contemporânea e História pela UMESP.
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