Muito
se tem dito e escrito acerca da posição da Igreja Católica em relação
às touradas. Certo é que, na sua longa história, a igreja nunca assumiu
uma posição de defesa das práticas tauromáquicas, muito pelo contrário,
todas as posições assumidas pelo Vaticano foram no sentido de condenar
as corridas de touros, posição que nem sempre foi respeitada. Alguns
clérigos chegaram mesmo a adulterar os textos para que as touradas não
fossem erradicadas da Península Ibérica. Nas últimas décadas, porém,
assiste-se a um progressivo afastamento da Igreja Católica da prática
tauromáquica, apesar da ligação económica que mantêm algumas
Misericórdias portuguesas às touradas.
Historicamente
a Igreja Católica surgiu associada ao início da atividade tauromáquica
não só promovendo eventos, mas também com um papel importante na criação
de bovinos que depois eram usados nestes festejos. Durante muitos anos
tauromaquia e Igreja surgiam lado a lado num ritual de perigo e morte
onde a superstição ocupava lugar privilegiado. Nos dias de hoje é
conhecida a devoção dos lidadores e a sua busca de proteção divina para
os perigos na arena, mas a Igreja, essa, afastou-se lentamente do sangue
e crueldade das touradas.
Segundo
alguns autores, o primeiro espetáculo taurino de que há registo terá
ocorrido no período de formação dos reinos cristãos em Espanha no ano de
815 em León 1 ainda
sob domínio árabe mas organizados pelos cristãos. Já nos séculos XI e
XII há registos em Espanha de cerimónias religiosas em que também se
realizaram este género de festejos com touros. Em 1080 na boda do
Infante Sancho de Estrada em Ávila, em 1107 para celebrar a boda de
Blasco Muñoz em Logroño e mais tarde em 1140 novamente em León para
celebração do casamento da filha de Afonso VII. Estes eventos eram no
entanto diferentes dos de hoje, e os animais eram mortos rapidamente,
sem uma lide tão artística e prolongada. Ocorriam não só na Península
Ibérica mas um pouco por toda a Europa.
No século XV é evidente a expansão do toureio a cavalo em Espanha e o papel da igreja na promoção de festejos taurinos: “Os
próprios átrios das Igrejas são, não poucas vezes, teatro de ações
tauromáquicas, oferecendo improvisadas liças onde ocorriam as mais
brilhantes facetas dos programas dos seus festejos em honra dos santos
mais queridos ou populares.” 2.
Curiosa é a história do franciscano São
Pedro Regalado (1390-1456) que um dia se cruzou com um touro que tinha
fugido da praça de touros de Valhadolide. Pedro não se amedrontou com o
desesperado animal, tratando-o por amigo e pedindo que se ajoelhasse à
sua frente. Depois retirou-lhe todas as bandarilhas que tinha espetadas
no corpo “(…) Regalado com sossego e tranquilidade ia-lhe
arrancando, uma a uma, as pontas dos ferros com que haviam atormentado o
animal. No final, depois de o ter inundado à medida da sua compaixão,
deu-lhe a benção e mandou que se fosse curar nas águas do rio Douro” 3.
Regalado salvou o animal da bestialidade humana, mas ironicamente seria
aclamado mais tarde Padroeiro dos Toureiros, título que ainda hoje é
utilizado pelos lidadores…
É nesta altura que o divertimento chega
também a Roma durante o papado de Alexandre VI, mas a sua prática em
Itália iria durar pouco tempo.
Quando sobe ao trono de Castela a rainha
“Isabel, a Católica” (1474 – 1504) as lutas sangrentas entre homens e
touros sofrem um duro revés. Isabel, considerada um das mulheres mais
inteligentes daquela época, mostrou grande desprezo pelo espetáculo
tauromáquico e depois de assistir ao vivo à morte de dois lidadores na
arena ordenou que os touros passassem a ser embolados, com as hastes cortadas, para evitar o derramamento de sangue humano nas arenas.
Apesar de estar localmente ligada ao
desenvolvimento destas festejos, a igreja católica foi também o primeiro
grande opositor da prática destes divertimentos, e existem várias
referências históricas que confirmam este facto. Muitos membros da
igreja católica repudiaram a realização, promoção e assistência a este
tipo de divertimentos que consideravam contrários à bondade e fé cristã.
Na vizinha Espanha, S. Juan de Ávila (1500-1569), sacerdote e escritor andaluz foi um dos opositores das touradas que por ali se realizavam: “Correr touros é coisa perigosa para a consciência de quem manda ou autoriza a sua celebração!” 4.
Alguns anos mais tarde em Portugal o
padre Manuel Bernardes (1644-1710) escreveu sobre as loucuras e
crueldades cometidas nas corridas de touros: “O jogo de feras foi
introdução do demónio, como todas as mais do gentilismo, para que o
coração humano perdesse o horror à morte e derramamento de sangue
humano, e aprendesse a fereza de costumes e indómito das paixões. Em
Espanha ainda sabe a gentilismo o jogo dos touros, porque, por mais que o
deem por seguro e inocente, o certo é que quem gosta, ou de assistir,
ou de se expor a tal perigo, não lhe falta muito para bárbaro, ou para
ímpio. Em uma festa de touros em Cuenca, refere Marianna que houve um
tão feroz, que em uma tarde matou sete toureiros (…), e acrescenta que “em
vez de desterrarem semelhante folguedo, mandaram fazer um painel por um
pintor célebre, onde se via o touro com os sete mortos a seus pés, e o
puseram para memória do caso em lugar público. O que a mim, diz com
muita razão o sobredito autor, me parece que foi levantarem os cidadãos
um padrão e letreiro da sua loucura! Vejam se tem razão Cassiodoro, de
chamar a este exercício jogo cruel, deleite sanguinolento e fereza
humana (…)” 5.
A Igreja proibiu as touradas em 1567 horrorizada com a crueldade dos espetáculos taurinos então praticados
Em Portugal continuaram a surgir
esporadicamente referências a festejos com touros. A igreja tinha nesta
atividade um papel importante já que estava intimamente ligada à criação
de gado fornecendo os animais para as diversões*. Terá sido também a
igreja a primeira entidade a tirar rendimentos do espetáculo. Em 1555 os
irmãos da Confraria de Nossa Senhora da Merciana davam parte ao rei (D.
João III, O Piedoso) “fazerem a festa e touros como era de
costume, com muita quietação conforme o regimento que a rainha dera à
mesma confraria, pedindo ao mesmo senhor os conservasse na posse em que
estavam.” 6.
* Ainda hoje algumas Misericórdias se dedicam à produção animal.
Apesar da ligação da igreja a estas
atividades, o Vaticano nunca viu com bons olhos a participação dos
clérigos neste tipo de divertimento e, aliás, nunca aprovou a sua
realização. Na idade média o Vaticano por diversas vezes criticou os
monarcas portugueses por obrigarem os clérigos a participar nas guerras.
Os Concílios da altura proibiam inclusive os bispos de caçar, mas há
registos que provam que os bispos portugueses se dedicavam a estas
atividades. “Assim como havia bispos que se entregavam ao exercício
da caça, e para isso mantinham falcões e açores contra a disposição dos
concílios, assim também os havia, é bem sabido, que não faltavam aos
combates como verdadeiros soldados, não já somente contra os infiéis,
mas ainda contra os próprios correligionários” 7.
O grande número de vítimas mortais em
consequência das touradas motivou a publicação pelo mais alto
representante da igreja católica de uma Bula que excomungava os
espectadores das corridas de touros e os proibia de serem sepultados em
solo sagrado. Este documento tem sido alvo de muita polémica ao longo
dos anos, tal como muitos dos factos que envolvem a história do
espetáculo tauromáquico. Não há dúvidas que este texto condenatório das
touradas não caiu nada bem junto dos mais aficionados que o
tentaram esconder e por força da pressão junto do Vaticano, de alguma
forma, atenuar ou adulterar o seu conteúdo. Luis Gilpérez Fraile
publicou em 2001 um livro intitulado “De interés para católicos
taurinos” resultado de um estudo profundo desta questão onde é feita uma
análise de vários documentos publicados após a Bula de Pio V,
traduzidos pelo padre Sebastián Goñi do Tribunal Eclisiástico de San
Sebastian. É baseado neste trabalho e em várias publicações que abordam
este tema, incluindo alguns documentos publicados em Portugal, que
redigimos esta análise cronológica da proibição das touradas por parte
do Vaticano.
No dia 1 de novembro de 1567 o Papa Pio
V, horrorizado pela crueldade dos espetáculos taurinos procurou pôr fim a
estes festejos ao publicar a Bula “Salute Gregis Dominici”
proibindo determinantemente as corridas de touros e decretando pena de
excomunhão imediata a qualquer católico que as permitisse ou
participasse nelas. Ordenou igualmente que não fosse dada sepultura
eclesiástica aos católicos que pudessem morrer vítimas de qualquer
espetáculo taurino.
“Nós portanto
considerando que esses espetáculos de se correrem touros e outras feras
em corro ou praça, são alheios da piedade e caridade cristã. E querendo
desterrar esses jogos sanguinolentos e ímpios, mais de demónios do que
de homens, e providenciar, quanto com ajuda de Deus podemos, à salvação
das almas, a todos os princípes cristãos, e a cada um em particular, dos
constituídos em qualquer dignidade tanto eclisiástica como temporal, ou
imperial, ou real, ou de qualquer outra sorte, e seja qual for o cargo
que exerçam; ou a quaisquer comunidades e repúblicas, proibimos e
vedamos por esta nossa Constituição, válida para sempre, e sob as penas
de excomunhão e anátema, em que hão- de incorrer se a isto contravierem,
que em suas províncias, cidades, senhorios, vilas e lugares, permitam
espetáculos, deste género, em que se corram toiros e outros animais… Aos
clérigos não menos, tanto regulares como seculares, e a todos os
providos, proibimos, sob pena de excumunhão, que entrem em tais
espetáculos. E cessamos todas as obrigações de juramento e votos
contraídas seja por quem for, ou que de futuro hajam contrair-se perante
qualquer universidade ou congregação, de entrarem nesses jogos touros
ainda que (segundo a opinião falsa dessas pessoas) seja para honrar os
Santos, ou qualquer solenidade ou festividade eclesiástica. Porque os
Santos e a Igreja, só com louvores divinos, gozos espirituais, e obras
pias se devem celebrar, e não por aquela forma…”
Esta Bula levou ao desaparecimento da
tradição das touradas em Itália onde também haviam registos sangrentos
de grandes tragédias associadas ao divertimento taurino. Em Roma no ano
de 1332 faleceram de uma só vez 19 cavaleiros e muitos plebeus colhidos
pelas hastes dos touros 8.
A. Martín Maqueda atribui à falta de conhecimento e preparação dos
romanos os banhos de sangue que na sua opinião foram os responsáveis
pela abolição do espetáculo em Itália 9.
Também em França as touradas deixaram praticamente de se realizar por
esta altura à exceção de algumas localidades do sul do país onde a
influência espanhola mais se fazia sentir.
Mas na Península Ibérica a vontade do
Papa de terminar com estes violentos espetáculos sempre foi ignorada,
escondida e desrespeitada com o falso argumento que a lide de touros era
fundamental para o treinos das tropas cristãs. A mentira invocada pelos
monarcas procurava esconder o fanatismo pelas lutas sangrentas
contestadas pelo Papa. Monarcas, fidalgos e mesmo membros do clero
tentaram ocultar as determinações do Papa, ignorando-as ou adulterando o
seu conteúdo. Alguns autores tauromáquicos admitem mesmo que Filipe II
enganou e mentiu ao Papa invocando estes falsos argumentos para
convencer Pio V – “É fácil perceber que o filho de Carlos V não foi
sincero na apresentação de tal argumento, numa altura em que os
progressos da ciência da guerra já não justificavam tal preocupação, e o
exercício militar, desempenhado na sua maior parte pelo povo que não
praticava toureio, possuía meios de preparação em que muito pouca
influência poderia ter a lide de toiros, com a feição artística e
independente que vinha demonstrando. Mas Filipe II não teria encontrado
melhores razões para convencer o Papa.” 10.
Filipe II, fanático religioso, aliou-se aos lidadores, proibiu a
publicação da Bula e encetou uma luta com Roma que iria perdurar por
muitos anos. O empenho de Filipe II na defesa dos festejos taurinos não
se baseava na sua afición, porque não era particularmente
adepto da tauromaquia, mas pelo facto de mesmo proibidas, as lutas com
touros serem muito concorridas na altura, acudindo a elas um número
considerável de cidadãos, entre os quais alguns membros do clero que se
disfarçavam com trajes civis para assistir aos festejos ignorando o
risco de excomunhão. O monarca temia pela sua popularidade ao adotar uma
medida que não seria bem aceite em setores bastante influentes na corte
11.
Contudo a Bula seria traduzida para português e publicada em Carta
Pastoral do Bispo de Coimbra D. João Soares, documento que se encontra
ainda hoje conservado nos Arquivos da Biblioteca Nacional de Portugal 12.
Em 1575 o sucessor de Pio V, Gregorio
XIII por pressão de Filipe II de Espanha publica a Encíclica “Exponi
nobis” levantando aos laicos a proibição de assistência às corridas de
touros desde que se tomassem as correspondentes medidas a fim de evitar
qualquer morte e que tais eventos não se realizassem aos domingos e dias
santos, procurando evitar que as touradas fossem promovidas como
entretenimento. Gregorio XIII manteve no entanto a proibição aos
clérigos de assistir e participar nos combates com touros. Ainda assim
alguns membros do clero continuavam a disfarçar-se com trajes civis para
assistir aos festejos. “Num período de forte atuação da Inquisição, a classe eclisiástica era a primeira a dar maus exemplos…” 13,
refere Maria Teresa Resende no livro “No tempo das touradas” a
propósito deste interessante episódio. A obsessão de alguns clérigos
espanhóis pelas corridas aos touros era tão grande, que chegam a tomar
posições rebeldes e segundo Luis Gilpérez Fraile, os que lecionavam na
Universidade de Salamanca não só assistiam e promoviam corridas de
touros, como manipulavam a encíclica Papal para que os alunos
acreditassem que a exceção concedida pelo Papa também os incluía a eles.
Os clérigos de Salamanca iniciaram uma luta com o Vaticano que se
prolongou por alguns anos.
Os portugueses também ignoraram a
proibição. Em 1578, e antes de partir para a batalha de Alcácer-Quibir,
D. Sebastião terá participado numa corrida de touros em Xabregas pondo
em prática a sua destreza no manejo das armas matando um touro da forma
que é descrita por Jaime Duarte de Almeida: “Aguentando o embate sem
mais defesa do que a sua pequena capa que mal enrolara no braço
esquerdo, fez desaparecer toda a lâmina da espada no cachaço do toiro,
que se entregou vencido, como fulminado por aquele golpe, entre as
aclamações que coroavam o feito, naquela gritaria febril com que a
emoção cede o seu lugar ao entusiasmo.” 14.
Os “treinos” realizados em Xabregas e em Cádiz (onde também terá
toureado a caminho de África) pelo monarca português de nada lhe valeram
na batalha de Alcácer-Quibir (1578) onde viria a padecer. Bem pode
dizer-se que D. Sebastião foi castigado pelas determinações de Pio V que
excomungavam todos os monarcas e clérigos que participassem em corridas
de touros não lhe sendo concedida sepultura em solo sagrado.
Nos dois anos que se seguiram desapareceu a afición
em Portugal com a governação do Cardeal D. Henrique que fez respeitar a
vontade do Vaticano dando cumprimento à vontade do Papa. As touradas
desapareceram em Portugal.
Só em 1582 Filipe II de Espanha, na
altura também rei de Portugal (Filipe I), dá a conhecer as ordens do
Papa Gregório XIII, ignorando contudo a proibição dos clérigos. O
monarca autoriza a realização de corridas de touros em Lisboa, exceto
aos domingos e dias santos e desde que delas não resulte a morte de
alguma pessoa 15.
…
a barbárie humana está ainda entranhada nas corridas de touros, não há
dúvidas de que a igreja continua a condenar, tal como o fez no passado,
estes espetáculos sangrentos e vergonhosos”
O sucessor de Gregório XIII, Sixto V
(Papa de 1585 a 1590) ao ter conhecimento das desobediências contacta o
bispo de Salamanca (Breve “Nuper siquidem”) ordenando que se proíbam os
clérigos de assistirem aos espetáculos taurinos e que castigue os
desobedientes. A carta do Papa foi tornada pública pelo Bispo de
Salamanca através de uma ampla e dura Carta Pastoral onde ordena que “doravante,
não se ouse dizer, nem ensinar, nem aconselhar, que as ditas pessoas
eclisiásticas podem assistir aos ditos espetáculos sem incorrer em
pecado…” 16.
Inconformados, os Clérigos da Universidade de Salamanca recorreram ao
Rei pedindo que o monarca solicitasse a revogação das determinações do
Papa, mas Filipe II não o chegaria a fazer nessa altura. Mais tarde, já
com o Papa Clemente VIII (1592 – 1605), os clérigos tauromáquicos de
Salamanca contrataram dois procuradores para negociarem no Vaticano o
assunto com o Papa, que com o pretexto de que a bula do antecessor Pio V
não tinha conseguido eliminar os combates com touros, “tão importantes para tornar mais valentes os cavaleiros para as tarefas da guerra”,
toma em janeiro de 1596 uma nova resolução mais suave, permitindo aos
clérigos seculares participar nas corridas de forma discreta e mantendo a
proibição aos clérigos regulares. Aconselhou ainda aos outros
eclesiásticos que por uma questão de dignidade se abstivessem por
completo de assistir a tais espetáculos, suprimindo as penas de
excomunhão anteriormente efetuadas, só nos reinos de Espanha e com
exceção dos monges, frades e regulares de qualquer ordem religiosa
mantendo também as anteriores condições: “queremos que as corridas de touros, nos reinos de Espanha, não se celebrem em dias festivos” e que “se tomem medidas para que, dentro do possível, delas não resulte a morte de qualquer pessoa.” 17.
O fanatismo gerado pelo prazer de
combater touros publicamente, era de tal forma que levou a que as
determinações do Vaticano fossem novamente ignoradas e deturpadas ao
longo de anos. Em “História da Tauromaquia” de 1951, Jaime Duarte de
Almeida afirma que Clemente VIII “corajosamente anulou, de maneira absoluta, a bula de Pio V” 18
o que não corresponde totalmente à verdade. O historiador eclesiástico
monseñor Manuel Rodríguez (1629-1701), referiu mais tarde que “pecam
mortalmente os religiosos que disfarçadamente se atrevem a assistir às
corridas de touros interpretando falsamente a Bula de Clemente VIII,
pois a proibição jamais foi revogada, e assim o têm declarado as
supremas autoridades eclesiásticas.” 19.
Segundo
a investigação de Luis Gilpérez Fraile, traduzida no livro “De interés
para católicos taurinos”, só 84 anos mais tarde a Igreja voltaria a
pronunciar-se sobre o assunto das touradas e mais uma vez condenando
fortemente este espetáculo.
Em julho de 1680 o secretário do Papa
Inocêncio XI (1676 – 1689), Alderano Cibo, remeteu o Decreto Apostólico
“Non sine graui” ao representante diplomático do Papa em Espanha, Savo
Mellini. O documento foi acompanhado de uma nota pessoal do Papa
dirigida ao rei Carlos II de Espanha e chegou às mãos do monarca a 25 de
setembro desse ano. No Decreto Inocêncio XI lembrava que os “nossos antecessores, os Pontífices Romanos, sempre condenaram este tipo de festas”
e lamentou a desobediência dos eclesiásticos regulares às ordens de
Clemente VIII de que não participassem nem assistissem às corridas de
touros “tão pouco em consonância com a moral cristã”, e
encarrega Savo Mellini de fazer cumprir as determinações do Vaticano e a
atuar seriamente perante o rei católico e seus colaboradores para que
no futuro, a acontecer estas corridas, se tomem pelo menos medidas que
salvaguardem as vidas humanas. Na nota pessoal que enviou a Carlos II, o
Papa referia: “Quanto seria do agrado de Deus proibir a festa de touros…”.
Carlos II ignorou completamente estas súplicas do Papa bem como o
Decreto não dando qualquer resposta. Mellini, o representante
diplomático do Papa, enviou uma carta ao Marquês de Velada para que
insistisse com Carlos II sobre este assunto sugerindo inclusive que o
melhor seria fazer as corridas de touros desaparecer de uma vez já que
fazem parte dos espetáculos sangrentos do paganismo. Velada fez chegar o
documento ao rei junto com uma cópia do Decreto mas não há registo de
nenhuma resposta por parte do monarca, que segundo Luis Gilpérez Fraile,
não queria criar polémicas com a nobreza.
A
proibição das touradas por parte da Igreja Católica era até aqui baseada
essencialmente na condenação da perda de vidas humanas que tais
espetáculos implicavam, tal como acontece nos dias de hoje. No entanto,
no início do século XX, a igreja vê-se confrontada com apelos à defesa e
proteção dos direitos dos animais, nomeadamente os touros e cavalos
utilizados nas arenas, por parte de associações que então começam a
desenvolver o seu trabalho nesta área. Em 1920 a Presidente da Sociedade
Protetora dos Animais de Toulon (França) envia uma carta dirigida ao
Papa Benedicto XV (Papado de 1914 a 1922) solicitando esclarecimentos
sobre a sua posição em relação às corridas de touros. A resposta
surgiria no dia 23 de outubro desse mesmo ano pelo Secretário de Estado
do Vaticano, Cardeal Pietro Gasparri com considerações bastante duras
para com o espetáculo tauromáquico. “… a barbárie humana está ainda
entranhada nas corridas de touros, não há dúvidas de que a igreja
continua a condenar, tal como o fez no passado, estes espetáculos
sangrentos e vergonhosos.” E prossegue “(Sua Santidade)
incentiva todas as nobres almas que trabalham para acabar com esta
vergonha e aprova de todo o coração todas as ações estabelecidas com
esse objetivo e que se esforçam por desenvolver nos nossos países
civilizados, o sentimento da piedade para com os animais” 20.
A carta foi tornada pública no Jornal
oficial do Vaticano “Osservatore Romano” a 6 de maio de 1923 por altura
da celebração de uma corrida de touros em Roma numa tentativa fracassada
de reintroduzir as touradas em Itália. O documento refere-se ainda à
ação da Sociedade Protetora dos Animais de Toulon, que teve um grande
impacto na época e motivou algumas demonstrações de solidariedade de
alguns clérigos, como o Arcebispo de Paris, Cardeal Dubois, que se
dirigiu assim àquela associação: “Pode essa Sociedade estar
orgulhosa da bela carta com que a honrou Sua Eminência o Cardeal
Gasparri em nome do Soberano Pontífice. (…) Não pode haver dúvida de que
os católicos devem abster-se de assistir a esses espetáculos, que são
eminentemente cruéis.”. A igreja francesa, apesar de não ter
conseguido fazer cumprir a Bula de Pio V, também se manifestava em 1885,
através do Bispo de Nimes (cidade que ainda hoje é um grande centro de afición)
numa passagem datada de 15 de agosto em que, depois de se referir à
dita Bula, Monsenhor Besson proíbe os jornais católicos de publicitar as
corridas de touros: “(…) só devem ocupar-se delas para as condenar com energia”.
Também no México a Bula de Pio V não
passou indiferente à igreja local. No Concílio Mexicano Provincial
celebrado em 1585 e aprovado em Roma pelo Papa Sixto V em 1589, as
polémicas corridas de touros foram abordadas, e mais tarde, no século
XIX, o Padre mexicano José Ximeno fez questão de lembrar os fiéis da
absoluta oposição da igreja a este tipo de entretenimentos: “A
Igreja sempre detestou as corridas de touros, como consta nas Bulas de
Pio V, Gregório XIII, Clemente VII, não só porque têm a sua origem na
crueldade das gentes, como devido aos escândalos, mortes y desgraças,
que nelas costumam acontecer.” 21.
No entanto a Excomunhão da Igreja Mexicana, lembra o Padre, não se
estendia aos que assistem mas apenas aos que dão ordem e consentem que
as touradas se realizem principalmente em cemitérios e campos santos
como era vulgar acontecer: “Quando se incorre nesta primeira
Excomunhão Sinodal? Incorre-se pelos que dão ordem, ou pelos que devendo
impedi-lo, não o fazem, mas sim que o consentem, que com grave
irreverência dos Cemitérios, ou Campos Santos, se façam nelas quaisquer
corridas de touros, mas não de novilhos, vacas, ou um só touro à corda.” 22.
A oposição do Vaticano à participação do
clero nas festas com touros voltou a manifestar-se em Portugal com a
proibição de “touradas, cavalhadas, representações teatrais ou
contradanças” 23
durante as celebrações do casamento do infante D. João, futuro D. João
VI, expressa em cartas pastorais de 1785 e 1786, transcritas no ano de
1820 no Jornal de Coimbra, seguindo as anteriores indicações do
Vaticano, isto apesar de ao mesmo tempo algumas instituições ligadas à
igreja começarem a tirar algum rendimento das corridas algo que se viria
a intensificar a partir daqui, nomeadamente as Misericórdias.
Com a ditadura a Igreja voltou a conseguir um lugar privilegiado junto do poder.
Em 1933 um grupo de católicos de Lisboa, liderados por Francisco Melo, emitia um panfleto 24 de contestação aos touros de morte, “Um
grupo de católicos do Patriarcado de Lisboa deliberou divulgar este
artigo admirável, que demonstra que todos os que constituem a Igreja
Católica devem não apenas abster-se de assistir ou auxiliar o espetáculo
embrutecedor das corridas de touros, mas também combate-lo, animados
pelo aplauso do grande Pontífice Pio XI, que, como os seus Antecessores,
recomenda que todos trabalhem a fim de eliminar tal mancha. Que todos
os católicos, ouvindo o apelo do Papa imortal da ‘Quadragéssimo Ano’
encetem luta tenaz contra essa selvajaria, imprópria da nossa época e da
nossa civilização”. Francisco Melo invocou o artigo publicado na
edição de maio de 1923 no “Osservatore Romano”, o jornal oficial do
Vaticano, onde a igreja condenava, uma vez mais, as touradas “o
espetáculo em que pobres animais são martirizados e por fim mortos, para
prazer de indivíduos que a ele assistem, é contrário à civilização e à
bondade cristã, que se estende até aos animais.”
O afastamento da Igreja Católica em
Portugal é notório nas últimas décadas. A título de exemplo refira-se
que o Regulamento do Espetáculo Tauromáquico aprovado em 1971 obrigava à
existência de uma capela em todas as praças de touros – “Em todas as praças deve existir, em local condigno, uma capela ou simples oratório destinado exclusivamente aos lidadores.” bem como de um sacerdote “As
empresas devem assegurar, durante a realização do espetáculo, a
presença de um sacerdote para prestar assistência espiritual a qualquer
lidador ou espectador afectado de doença súbita, quando solicitada.”. Atualmente,
apesar de se manterem as capelas em muitas das praças de touros
portuguesas, essa obrigação foi retirada do Regulamento bem como a
presença do sacerdote nas touradas.
Para a história fica ainda a enorme
pressão exercida por algumas Misericórdias sobre o poder político em
1837, no sentido deste retroceder na decisão da abolição das touradas em
Portugal, decretada como se sabe a 19 de setembro do ano anterior,
pelas receitas que beneficiavam estas instituições beneméritas. A partir
desse ano, as touradas realizadas na cidade de Lisboa passavam a
reverter financeiramente para a Casa Pia e as restantes, realizadas
noutros pontos do país, para as Misericórdias conforme ficou expresso no
Diário do Governo:
“Art.o 1º – As corridas de touros que tiverem lugar em Lisboa, e que não forem gratuitas, somente poderão ser dadas pela Casa Pia da mesma cidade.Art.o 2º – Em qualquer outra terra do Reino onde o referido espetáculo produzir rendimento liquido, será este aplicado em benefício das Misericórdias, ou de qualquer outro estabelecimento Pio do respectivo concelho.” - Diário do Governo, Sessão de 21 de agosto de 1837.
A
relação entre as Misericórdias e a tauromaquia tem hoje um carácter
meramente económico e patrimonial uma vez que muitas praças de touros em
Portugal são propriedade destas instituições, mas com um peso
naturalmente muito menor no seu orçamento, continuando a ser promovida
anualmente a “Corrida de Toiros da União das Misericórdias Portuguesas”.
Além da clara condenação do Vaticano do
espetáculo ao longo dos anos, sem nunca o ter defendido publicamente, é
também evidente o progressivo afastamento da instituição católica de um
‘divertimento’ cada vez mais contestado na sociedade, que de uma forma
geral, não aceita hoje em dia, a violência contra animais com fins
meramente lúdicos como acontecia no passado.
SINTO MUITA DOR AO VER TANTA MALDADE COM OS ANIMAIS, E AINDA DIZEM QUE NÓS SERES HUMANOS QUE SOMOS INTELIGENTES, QUANTA BOBAGEM, OBRA PRIMA NÃO SOMOS NÓS E SIM OS ANIMAIS ESTES SIM SÃO A MELHOR COISA QUE DEUS FEZ.
ResponderExcluirOlá Paixões Lis
ResponderExcluirrealmente, quando olhamos o mal que fazemos com os animais devemos nos questionar se somos nós os racionais e não eles, infelizmente sabemos tanto e fazemos tão pouco pelo bem do proximo
grande abraço