segunda-feira, 17 de março de 2014

Do Mecanicismo à Senciência Animal


Filhote de macaco


Caricatura de Descartes
Para Descartes os animais não eram de forma alguma capazes de raciocinar ou pensar, não passavam de seres autômatos das quais suas ações eram apenas reflexos de seu automatismo, eram também incapazes de possuir uma linguagem inteligível ou de sentirem qualquer tipo de sensação, eram apenas bestas, como o filósofo costumava conceituar.Porém ao longo do tempo, a ideia cartesiana mecanicista foi se mostrando completamente errônea, sobretudo no que se referia ao fato de adquirirem experiências através de suas ações:


Caricatura de Hume
Em primeiro lugar, parece evidente que os animais, como os ho­mens, apreendem muitas coisas da experiência e inferem que os mes­mos eventos resultarão sempre das mesmas causas. Mediante este prin­cípio, familiarizam-se com as propriedades mais evidentes dos objetos externos, e gradualmente, a partir de seu nascimento, acumulam co­nhecimentos sobre a natureza do fogo, da água, da terra, das pedras, das altitudes, das profundidades etc., e daquilo que resulta de sua ação. Aqui se distingue claramente a ignorância e a inexperiência do jovem frente à astúcia e à sagacidade dos velhos que têm aprendido, por uma longa observação, a evitar o que os fere e a perseguir o que lhes proporciona bem-estar e prazer. [...] Um velho galgo confiará a parte mais fatigante da caça aos mais jovens e se colocará em posição apropriada para abocar a lebre quando esta de repente se voltar; as conjeturas que faz neste caso não têm outro fun­damento senão sua observação e experiência.(Hume)


David Hume faz algumas colocações importantes no que se refere a contradizer o pensamento cartesiano, primeiro ele coloca homens e animais num mesmo patamar ao dizer “parece evidente que os animais, como os ho­mens, apreendem muitas coisas da experiência e inferem que os mes­mos eventos resultarão sempre das mesmas causas.” Ou seja, assim como os homens os animais são capazes de aprender e através desta experiência, inferir nos próximos eventos que possam surgir, porém, nos parece que a colocação mais importante de Hume ocorre ao colocar o seguinte: “...sagacidade dos velhos que têm aprendido, por uma longa observação, a evitar o que os fere e a perseguir o que lhes proporciona bem-estar e prazer.” Ao contrário de Descartes, seja por vontade própria ou mesmo sem intenção, Hume coloca que os animais, através da experiência adquirida são capazes de evitar qualquer coisa que lhes cause dor bem como são capazes de “perseguir o que lhes proporciona bem-estar e prazer”.

E Hume prossegue numa clara distinção entre autômatos e sencientes: “Não é a experiência que faz com que um cão tema a dor, quando o ameaçais e levantais o látego para enxotá-lo?”(Hume).
Se é a experiência da dor que faz com que o cão a tema e se afaste, não é este o sinal de que os animais, independente de serem capazes de pensar como os seres humanos, sejam sencientes e sendo sencientes, não sejam autômatos? Hume prossegue, embora colocando que não é o raciocínio que guia os animais mas que essa mesma ação se repete em  crianças e em alguns homens:

Portanto, os animais não são guiados pelo raciocínio nestas inferências; nem as crianças, nem a generalidade dos homens em suas ações e conclusões ordinárias; nem os próprios filósofos, que, em todos os momentos ativos de sua vida, são, em sua maioria, parecidos com o vulgo e deixam-se governar pelas mesmas máximas.(Hume)
Como negar então a senciência animal diante da colocação de Hume diante da dor e do prazer?Fato esse  que ainda hoje, apesar de todos os estudos que contrariam a ideia cartesiana do mecanicismo, sobrevive ?
Caricatura de Darwin
Para Darwin a relação entre a evolução das espécies ocorria em graus o que permitiria a presença das emoções e até um certo comportamento moral nos animais:

Nos animais inferiores vemos o mesmo princípio do prazer causado pelo contato associado ao amor. Cães e gatos manifestamente tem prazer no contato com seus donos e donas, recebendo afagos e tapinhas[...] descreveu o comportamento de dois chimpanzés, um pouco mais velhos do que os que normalmente eram trazidos a este país, quando se encontraram pela primeira vez.Eles ficaram frente a frente, tocando-se com seus lábios bastante protraídos; e cada um pôs sua mão sobre o ombro do outro.Eles então se abraçaram. Depois, ficaram em pé um com o braço por cima do ombro do outro, ergueram a cabeça, abriram a boca e gritaram de contentamento. (Darwin)
Noutro campo distinto de estudo, a veterinária Dra Irvênia Prada, no capítulo 15 de seu livro “A Alma dos Animais”, nos fala sobre a “mente no homem e nos animais”:

Frente às evidências que temos, não é justo, nem lógico, considerar que os animais não tenham nada do “animus”, pois é só observar com o mínimo de atenção o comportamento de um deles, para notar manifestação de emoções, de vontade própria, de julgamento de situações, de elaboração de estratégias, de capacidade de aprendizado, etc.”(Prada)
Pesquisadores como Marc Bekoff[i], Marc Hauser[ii], Culum Brown[iii], César Ades[iv], entre outros, são enfáticos em descrever as habilidades dos animais na resolução de problema na criação de estratégias para fugir ou caçar, bem como o uso da memória para sobreviver aos predadores.Também existe a comunicação entre os membros da espécies e inter-espécies, como no caso de Sofia um animal sem raça que através de um painel consegue expressar seus desejos.A cultura e com ela a criação de novos comportamentos  como o uso de ferramentas que vem sendo estudado nos bonobos, e a capacidade cognitiva de Alex, um papagaio que conseguia compreender os conceitos de relatividade a ponto que conseguir responder as questões da pesquisadora.Até mesmo os cefalópodes tiveram a inteligência testada pelos pesquisadores que afirmarem que estes animais, como muitos outros fazem igualmente o uso de ferramentas e cálculos estratégicos para fugir de seus aquários.[v]
Macacos utilizando pedra como ferramenta
Seria cansativo listar todo o avanço da ciência em relação a inteligência e a senciência animal, pois ela avança a cada dia retirando de nosso olhar o véu que torna invisíveis os animais de outras espécies, posto que também sejamos animais, mas, em algum lugar deste caminho de descobertas parece que nos perdemos e relutamos em aceitar algo que a ciência já provou, seria medo, orgulho ou des-razão?
Para Peter Singer, filósofo australiano, a razão é bem clara:

Os racistas violam o princípio da igualdade, atribuindo maior peso aos interesses de membros da sua própria raça quando há um confronto entre os seus interesses e os de outra raça. Os racistas de ascendência européia  não aceitavam, geralmente, que a dor conta tanto quando é sentida pelos africanos, por exemplo, como quando é sentida pelos europeus. Do mesmo  modo, aqueles a quem chamo "especistas" atribuem maior peso aos interesses dos membros da sua própria espécie quando há um conflito entre esses interesses e os das outras espécies. Os especistas humanos não aceitam que a dor sentida por porcos ou ratos seja tão má como a dor sentida por seres humanos (SINGER).
O que leva uma verdade, totalmente provada, a ser ignorada pela massa humana, tanto intelectuais quanto não intelectuais? A verdade da senciência, mesmo que sem querer, foi provada por David Hume e por tantos outros antes e depois dele, no entanto insistimos na invisibilidade dos corpos animais, de suas dores e de seus gritos de agonia.O que ocorre normalmente é uma lavagem de cérebro como nos coloca  Mitch Albom:

Sabe como se lavam cérebros? Repete-se uma coisa constantemente. 
É isso que fazem em nosso país. Possuir coisas é bom. Mais dinheiro é bom.
Mais posses é bom. Mais consumo é bom. Mais é bom. Mais é bom. 
Repetimos isso, e nos repetem isso constantemente,até ninguém, 
sequer pensam em pensar diferente. ( Mitch Albom)
Coruja
É necessário que os seres humanos saiam definitivamente do “Cogito ergo sum”, caminhe pelo  “Dubito, ergo cogito, ergo sum”, de Descartes e finalmente chegue ao “Sentio, ergo sum” de Leonardo Boff. Essa é a cura para o argumento falacioso de que os animais, apesar de todas as provas contrárias, existem para servir aos seres humanos.É necessário esse ato de provocação, de afeto diante de algo que ainda não possa ter sido pensado com a devida consideração, de modo que a frase, ainda contundente da Profª Dra Sonia Felipe não precise ser repetida novamente: “E o filósofo não pensa”.(Felipe), talvez  assim seja possível desvendar os motivos pelos quais este tema ainda é esquecido pela grande parte dos trabalhos filosóficos atuais, a consideração da vida como principio de tudo, inclusive da moralidade humana diante dos animais.
... está mais do que na hora de nos despirmos de nossos preconceitos antropomórficos e entendermos finalmente que a percepção ética da Alteridade dos animais não é uma veleidade intelectual, ou um capricho contemporâneo, mas – além de um imperativo ético radical – uma questão de sobrevivência, e sobrevivência não apenas dos animais não-humanos, mas muito especificamente do único animal sobre o qual recairá a responsabilidade do fracasso absoluto, se a antevisão da catástrofe ético-ecológica que se insinua nas consciências lúcidas se realizar. (TIMM)

Se somos, nós humanos, a causa de nossos males, é preciso que comecemos a pensar sobre o assunto, até chegar às causas primárias que nos fizeram ver nos animais, seres totalmente desprovidos de direitos. A crise ambiental se faz presente, resultado reconhecido de nossa ação sobre a Natureza, é preciso refletir se queremos viver essa mesma vida ou se desejamos realmente nos descobrir como vetores de uma grande mudança.A opção agora é dos seres racionalmente superiores.





Simone Nardi


Referências

ALBOM, Mitch . A última grande lição – 
O sentido da Vida. Edição eletrônica.<http://www.cidadanianoar.com.br/?cat=33&paged=2
 
BOFF, Leonardo . O Nascimento de uma Ética Planetária. 
 http://leonardoboff.com/site/vista/outros/como-nasce.htm
 
DESCARTES, René . Os Pensadores .

FELIPE, Sônia T. Antropocentrismo,senciocentrismo e Biocentrismo:Perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. - https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/PF/article/view/864/1168 e  O Estatuto dos animais na comunidade moral humana. UMESP

HUME, David ,. Os Pensadores; Investigação acerca do entendimento humano  
MASSON, J. Moussaieff ; MCCARTHY, Susan .Quando os Elefantes Choram- A vida emocional dos animais
PRADA,Irvênia- A Alma dos Animais

SINGER, Peter . Vida ética , Libertação Animal e  A importância Moral do sofrimento. http://criticanarede.com/html/fa_9excerto2.html

SOUZA,  Ricardo Timm de -  Ética e Animais – Reflexões desde o Imperativo da Alteridade. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php /veritas/article/view/2079/1573.




Notas



[i] Prof. De Biologia na University of Colorado-Boulder e fundador do Ethologists for the Ethical Treatment of Animals
[ii] Psicólogo na Universidade de Harvard
[iii] Pesquisador na Universidade de Edimburgo, Escócia
[iv] Especialista em comportamento animal.
[v] Brendan Borrell  e A surpreendente inteligência do polvo












Simone Nardi









Simone Nardi – criadora deste blog e do antigo Consciência Humana, colunista do site Espírita da Feal (Fundação Espírita André Luiz) ; é fundadora do Grupo de Discussão  Espírita Clara Luz que discute a alma dos animais e o respeito a eles.Graduada em Filosofia e Pós-graduada em Filosofia Contemporânea e História pela UMESP.







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