sexta-feira, 21 de março de 2014

INTELIGÊNCIA EM PLANTAS COMO UM FENÔMENO ECOFISIOLÓGICO

Gif: Rosa se abrindo


Gustavo Maia Souza


Laboratório de Ecofisiologia Vegetal, Universidade do Oeste Paulista,Presidente Prudente – SP; Grupo sobre Auto-organização do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, UNICAMP,Campinas – SP.




Apresentação e contextualização teórica




Não é de hoje que o uso de termos relacionados a propriedades cognitivas humanas são  empregados na descrição de comportamentos de plantas. Charles Darwin (1880) dizia que “A extremidade da raiz funciona como o cérebro em animais, captando os sinais do resto do corpo e direcionando vários movimentos ”.


Mais que uma mera metáfora, essa ideia exprimia uma analogia entre sistemas vivos de diferentes naturezas referindo-se aos seus modos de relação com o ambiente. Ambos os sistemas possuem sistemas de captação e processamento de informação, levando a um comportamento coerente em função do estímulo recebido.



Todavia, em virtude do modelo mecanicista e reducionista da ciência clássica, ainda predominante em muitas áreas, e do dualismo cartesiano mente-corpo, seres vivos que não o ser humano e, em especial as plantas, são tratados como entidades desprovidas de capacidade cognitiva, cujas respostas são meramente mecânicas e pré-programadas, sem qualquer tipo de inteligência mais complexa (no caso de plantas, sem nenhum tipo de inteligência).



Plantas
Por outro lado, mais recentemente, o paradigma de Sistemas Complexos tem oferecido um novo contexto para a interpretação e análise de comportamentos inteligentes em diferentes sistemas biológicos.



Evidentemente, que a atribuição de inteligência a deferentes sistemas depende do conceito que se utiliza de inteligência. Um conceito amplo utilizado em diferentes áreas, inclusive na psicologia, é o de que inteligência está associada à capacidade de um determinado sistema solucionar problemas que lhe são impostos pelo seu contexto. De forma geral, a sequência dada por:

 1) percepção continua do ambiente, 

 2) processamento de informação,

 3) acesso ao estado atual do sistema (memória), 

 4) resposta coerente ao estímulo percebido, configura um processo cognitivo inteligente.



Dentro do paradigma sistêmico, redes que podem manipular suas próprias informações são um requerimento básico para todas as formas de inteligência biológica. Cérebros e os processos de transdução de sinais celulares em plantas são ambos redes do tipo “mundo pequeno”. Esse arranjo estrutural otimiza a transferência de informação por meio da presença de ‘hubs', gerando sistemas eficientes no processamento de informação. De fato, Uma planta típica consiste de uma rede de milhões de células organizadas em algumas dezenas de tecidos e numerosos meristemas que influenciam uns aos outros.



Não há um evidente controle centralizador (como um cérebro) e o comportamento inteligente surge como uma propriedade do conjunto de células integradas e sistemas de tecidos, semelhante ao comportamento social de uma colônia de insetos. Ou seja, a inteligência é um processo emergente no sistema.Dessa forma, a ideia de uma inteligência em plantas é perfeitamente compatível com a visão sistêmica da ciência, embora possa parecer absurda ou desnecessária para a ciência clássica reducionista.



Gif, flores


Inteligência como um fenômeno ecofisiológico de redes naturais




Plantas desenvolvendo-se em um ambiente natural devem enfrentar inúmeras situações que demandam respostas eficientes para a garantia de sua sobrevivência. As interações planta-ambiente são de natureza complexa e imprevisível, fazendo com que a existência de respostas pré-programadas não seja muito provável.




Em um ambiente natural, há em torno de dez sinais abióticos e pelo menos seis sinais bióticos que são normalmente sensíveis à planta. Se considerarmos que as plantas podem distinguir apenas cinco níveis de intensidade em cada categoria e os sinais variam independentemente, então o número de ambientes possíveis seria da ordem de10/8 .


Assim, uma pré-programação genética de respostas seria muito improvável. Apenas respostas flexíveis e inteligentes poderiam fornecer a habilidade individual de lidar com essa complexidade de sinais ambientais e maximizar as respostas (Trewavas, 2005).



Dessa forma, a inteligência em plantas, mais que uma simples metáfora, é uma exigência ecofisiológica que garante sua adaptação ao ambiente variável. Nesse sentido, o conceito de plasticidade fenotípica poderia ser um aspecto ou mesmo uma medida da inteligência de plantas.


A inteligência está na organização em rede dos sistemas biológicos



Em ambientes recorrentes ou novos, células, tecidos e a planta como um todo, devem modelar seu comportamento futuro de maneira que os custos energéticos e os riscos não excedam os benefícios de sua plasticidade fenotípica. Essa modelagem ocorre em uma rede representacional adaptativa; uma propriedade emergente construída a partir da transdução de sinais celulares e da rede da planta como um todo.


De forma geral, As mudanças ambientais percebidas por organismos geram alterações em suas redes metabólicas e fisiológicas. Essas mudanças geram esquemas internos de representação do ambiente.


Gramado
Tais esquemas são auto-referentes, gerando respostas auto-organizadas. Amodulação dessas redes pode ser investigada por um parâmetro definido como Conectância Global (Cg) que corresponde ao grau com que os elementos em uma rede estão conectados, e é avaliada através das correlações entre determinados pares de parâmetros na rede (Amzallag, 2001; Souza et al., 2004 e 2009).


Concluindo



Dentro desse contexto, uma nova área de investigação de plantas vem consolidando-se como “Neurobiologia Vegetal”. As descobertas da presença de moléculas como serotonina, dopamina, GABA e glutamato como possíveis agentes de transmissão de informação no corpo vegetal, além do papel da sinalização elétrica nesse processo, indica que mais que uma simples metáfora, a inteligência em plantas é consistente como fenômeno biológico, sugerindo que as reações das plantas aos desafios impostos pelo seu ambiente não são simples reflexos pré-programados, mas sim produto de um sistema complexo de transdução e processamento de informação gerando respostas adequadas dentro das possibilidades do organismo em cada circunstância.





AUTOR






Gustavo Maia ; 

Biólogo formado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP Campus de Rio Claro (1995), possui mestrado em Ciências Florestais [Esalq-USP] (1998) e doutorado em Biologia Vegetal pela UNESP de Rio Claro (2001). Com Pós-doutorado em Fisiologia do Estresse em Plantas na ESALQ/USP (2003), atualmente é professor doutor da Universidade do Oeste Paulista. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Fisiologia Vegetal, atuando principalmente nos seguintes temas: ecofisiologia vegetal, estresse em plantas, fotossíntese, relações hídricas e biologia teórica. É integrante do Grupo Auto-organização do CLE/UNICAMP, onde desenvolve pesquisa sobre auto-organização e cognição em plantas. E.mail: gumaia@pq.cnpq.br GOOD SCIENCE IS FUN SCIENCE!!
Lattes










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