Eu cheguei naquele lugar sozinha. Não vi meus pais e olha
que eles sempre estavam comigo. Continuei a andar vendo que outros como eu
também caminhavam um tanto assustados. Me enchi de coragem, sim pois que meus
pais sempre me chamavam de “Grande Cão de Guarda”, por isso achei que deveria agir como um.
Olhei com olhos antigos um mundo novo diante de mim, então
percebi que havia uma rodinha de outros cães, todos sentados conversando uns
com os outros. Um velho humano fez sinal para que eu me juntasse a eles,
obedeci, afinal sempre fui muito obediente mesmo.
Aproximei-me e sentei descuidadamente sobre o rabo de um de
meus novos amigos, desculpei-me e sorri mostrando meus dentes brancos para ele.
Minha mãe gostava quando eu fazia isso para ela.
Fiquei ali parada, ouvindo eles contarem sobre suas
experiências sem saber ainda aonde estava. Sentia falta dos meus pais, mas
sabia que cedo ou tarde eles viriam me apanhar, sempre diziam assim:
“ Nossa que saudades do amor da mãe”, ou então: “Cadê o amor
da mãe? “ .
E eu balançava meu toquinho de rabo e sorria para eles. Não,
eu não devia me preocupar, eles viriam me pegar a qualquer momento.
Notei com estranheza que meu peito não estava mais inchado e
notei também que algumas gotinhas d’água brotavam dos meus pelos umedecendo-os
levemente. Não dei muita importância , então percebi que aquele senhor
velhinho, o humano, olhava fixamente para mim .
— Você sabe onde está agora?
— No médico eu acho- falei meia atrapalhada - Só que acho
que ele já me curou e espero apenas meus tutores virem me buscar, estou louca
para brincar de paninho com minha mãe.
— Você se lembra do que houve ?
Se eu me lembrava ? Era claro que sim...
— Eu havia ficado doente, minha perna doía - comecei a dizer - aí meus pais haviam me
levado no veterinário, tiraram fotos minhas e quando saí para encontrá-los eles
estavam chorando, não soube bem o motivo . Ouvi o médico falar algo como: “Vai
chegar a hora em que teremos que sacrificar".
Não sabia o que era , então brinquei para tentar
alegrá-los. Fomos para casa e eles não pararam de chorar, no dia seguinte fomos
a outro médico, a mesma coisa, eles choravam mais e mais. Minha mãe brincava
comigo , mas com um pouco mais de cuidado, pois minha perna ainda doía.
Mais uns dias e fomos à outro médico, esse eu já conhecia e
não tinha medo dele, era muito bonzinho. Ao contrário dos outros, ele não falou a palavra sacrificar nem uma vez. Sequer sei para que usavam
essa palavra, mas achei que era por causa dela que meus tutores choravam tanto.
Comecei a sentir dores mais fortes, mas meus pais me
compraram um colchão enorme de espuma e ali eu comecei a passar a maior parte
do meu tempo. Saia para fazer xixi e
bem, você sabe o quê, depois voltava. Até comer era fácil, meus pais me
davam ali mesmo, na boca. Comecei a tomar umas bolinhas doces que me davam mais
animo, mas eu sentia que havia alguma coisa errada.
Já não conseguia mais correr como antes e nem tinha mais
animo para brincar com o paninho, mesmo quando minha mãe pedia, então para
disfarçar , eu enchia ela de beijos e fazia ela coçar minhas costas. Acho que
ela ficava triste comigo, porque ela chorava muito.
Os dias passaram e eu fui piorando. Já quase não conseguia
mais andar, então meus pais me ajudavam a caminhar lentamente. Me seguravam
enquanto eu fazia xixi e me enxugavam, afinal sempre fui muito cuidadosa com
minha aparência. Depois eles me deitavam e me ofereciam água, eu tomava tudo,
mesmo que não estivesse com sede. Era meu jeito de agradecer à eles pela ajuda,
sabia que quando ficasse forte novamente poderia recompensá-los melhor.
Yannis |
uma ração super gostosa, era especial - eu os ouvia
falar - para eu comer. Vejam só, ela
dava ração na minha boca com aquela
colher que os humanos usam. Então, para não fazê-la chorar eu comia tudo.
Depois vinham aquelas massagens gostosas no meu braço e no meu peito, água e
muito carinho. Depois eu dormia e quando acordava sempre um deles estava do meu
lado.
Eu não conseguia mais andar quando nos voltamos naquele
veterinário bonzinho. Fiquei "esticadona" no carro e vi ele vir todo preocupado
para meu lado. Disse que havia inchado muito, olhou para meus pais e disse que
estava indo tudo bem, depois sorriu para mim e esfregou minhas costas, então
todos foram lá para dentro. Minha mãe voltou chorando, mas eu sabia que estava
prestes a melhorar.
Quando voltei para casa naquele dia eu não me sentia muito
bem, estava muito cansada , dormi. Minha mãe me acordou só mais tarde para
comer, comi e voltei a dormir. Logo aprendi que precisava da ajuda deles para
tudo.
Quando estava com sede ou com fome .
Foi assim que aprendi que se eu chorasse, mesmo que
baixinho, um deles sempre vinha correndo para me ajudar.
Eu chorava baixinho.
Meus pais vinham e me perguntavam o que eu queria, eu olhava
o pote d’água e eles me davam de beber. Chorava só para eles ficarem ao meu
lado . Eles aprenderam rápido o que eu queria.
Renno |
De noite todos se reuniam em volta de mim e proferiam o que
eles chamavam de oração. Era muito bom. Eu relaxava muito e podia ter todos
eles ao meu redor por mais tempo e era naquela hora que eu
dava beijinho de esquimó na minha mãe. Meu nariz roçando no dela, era
divertido, as vezes eu não aguentava e dava uma lambida nela, mas ela gostava e
começava a sorrir para mim. Fazia isso também quando eu tentava abanar o rabinho
, mas eu estava sempre muito cansada para isso.
Foi quando comecei a entender que talvez eu estivesse mesmo
muito doente. Não conseguia me mexer mais e meus pais arranjaram um travesseiro
para mim, viviam trocando as fronhas pois eu babava muito nele, mas era
gostoso, sempre um deles estava perto de mim.
Eu sabia que estava acontecendo alguma coisa errada, mas não
sabia o que era. Quando não pude mais me mover minha mãe comprou fraldas para
mim, então eu podia fazer xixi e tudo mais sem
eles terem que ficar me arrastando de um lado para o outro como faziam
antes. Aí eu fazia xixi, chorava e eles vinham trocar aquele paninho úmido que
ficava por baixo de mim.
Fui piorando.
Agora só meus olhinhos se moviam. Eu chorava mais, não por
que queria comer ou beber, simplesmente
chorava porque tinha medo de ficar sozinha e meus tutores aprenderam
rapidamente a ler isso nos meus olhos. Minha mãe se deitava por horas sem fim ao meu lado, falando
comigo e me fazendo companhia.
Então um dia notei que todos eles estavam chorando muito,
acho que é por que eu não havia comido toda minha comida, bebi muita água e não
me sentia bem. Meu corpo estava dolorido e pesado, só dei um beijo de esquimó na minha mãe e uma ou duas lambidinhas neles. Estava
com muito sono, não sei como foi, acordei com minha mãe chorando e trocando a
fronha onde eu sem querer vomitara. Ela pedia para eu ficar e eu queria
realmente ficar com ela.
Mel |
Olhei para aqueles rostinhos curiosos diante de mim, um dos
meus amiguinhos chorava baixinho e eu não pude deixar de notar isso.
— E você meu amigo, como são seus tutores? - Perguntei à ele
tentando animá-lo, afinal, os humanos deviam ser todos iguais, ao menos os que
eu conhecia eram bons.
Ele me olhou tristinho e todos nós ficamos quietos. Notei
que ele não parecia bem, seu corpo tremia como se estivesse com frio.
— Meu "dono" me levou ao médico, parece que era um problema
que dava para resolver, mas a cirurgia ia custar muito caro. Coitado do meu
"dono", ele quase nem tem dinheiro, trocou o carro porque fiz xixi nas rodas e
elas enferrujaram. Dei muito gasto para ele. Pois é, ele não tinha dinheiro, aí ele mandou o homem de branco me sacrificar. Não o vi sair,
fiquei esperando ele voltar e me levar para casa , mas ele não voltou. Nem sei
se vai voltar para me buscar.
— O meu fez igual, ele me sacrificou por que eu latia demais
defendendo a casa....falou um outro ao lado dele.
Fiquei tão triste com as histórias deles e olhei para o
velhinho que havia começado a conversar comigo.
— Você sabe onde está agora?
Olhei para aquele rosto carinhoso e
finalmente entendi o que havia acontecido.
Meus tutores não poderiam vir me buscar e
sei o quanto desejavam. Eu havia morrido. Ficara doente e havia morrido, por
isso aquelas gotinhas de água que molhavam meus pelos.
Eram lágrimas.
As lágrimas dos meus pais que ainda choravam por mim.
As lágrimas dos meus pais que ainda choravam por mim.
Simone Nardi
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