Ao término de
uma das aulas práticas notei aquele homem de branco; seus olhos desprovidos de
qualquer sentimento de piedade; ele olhava o corpo estendido numa das mesas,
imóvel, gelado. Não havia qualquer sinal de que se importasse com ele.
Talvez porque
se achasse superior aquele corpo pequeno, nada harmônico, sem raça como o que,
provavelmente, ele tinha em casa. É, o animal estava muito abatido, mas era a
fome, porque ele encontrara pelo caminho apenas pessoas como aquele homem de
branco que o olhava. Sim, o animal era mesmo um dos mais desfavorecidos na
Terra, pois, assim como era aquele homem que o olhava, ele só conhecera o lado
mais vil e desumano daqueles seres que se achavam superiores, só encontrara
pessoas como aquele homem de branco, sem amor, sem sentimento e sem compaixão
pelos seres por eles, considerados inferiores, se houvesse um dia cruzado com
alguém que não se achasse superior, talvez seu corpo não estivesse agora, diante
daquele frio e orgulhoso homem de branco.
Se tivera dono
não era importante, o importante era que muitos homens diante dele tiveram a
chance de se tornarem grandes, realmente grandes, fazendo brotar em seus
corações o sentimento que eleva a humanidade; o Amor.Nenhum dos homens que
encontrara fora capaz de amar. Todos possuíam corações duros, orgulhos,
perdidos, todos iguais.
Se ele não
tivera amigos não era importante, importante é que ele dera a muitos, inclusive
ao homem de branco que o fitava, a chance de aprender a Ser Amigo e eles
todos, inclusive o homem de branco, mostrara-se incapaz de tornar-se amigo.
Ele dera
chance aos homens, inclusive ao homem de branco,de ser fiel, leal, afetivo, mas
ele se negara veementemente a ser tudo o que era bem e se engalfinhara no mal
que existia nele.
A morte não provocava
o fim de uma existência, ao contrário, ela mostrava que a existência humana
sequer era digna da morte, pois que não acreditavam em nada a não ser neles
mesmos.
Nada sabia da
vida pregressa do homem de branco, mas ali, diante dele, descobri em pouco
minutos o que ele era. Era um ser humano incapaz de amar, de se relacionar, de
tornar-se amigo e ter compaixão; como é triste saber que desperdiça a chance de
tornar-se bom que todos os dias esses amigos lhes trazem e ele continua
adormecido no orgulho de sua mente débil e obsoleta.
Certamente
nada que fizera em sua vida fora relevante, já que voltava às costas
diariamente para o bem e para a compaixão. Com certeza quando morresse, estaria
tão só quanto aquele corpo frio que agora fitava, pois ainda tolo, acreditava
que a morte traria a vida.
Tenho pena
dele, mais do que sentiu de mim ao me abrir sem qualquer piedade, ao me
eutanasiar quando tudo o que eu lhe pedia era o seu progresso sentimental e não
o meu, tenho pena dele por mostrar que nada aprendeu da vida a não ser matar e
matar e matar.
Tenho pena
dele por achar que foi piedoso ao matar um ser que desejava ardentemente viver.
Deixando-me só ao abandono e acreditando-se ainda um deus, falso, corruptível,
cheio de rancor.
Peço a Deus
que se apiede dele, mais do que ele se apieda daqueles a quem tira a vida
inutilmente, pois não busca por outras soluções, está tão calcado em si mesmo
que não consegue reconhecer o avanço da ciência.
Filhotes de simios |
Peço a Deus
que não o deixe morrer como ele me matou, peço a Deus que o embale e lhe
estenda a mão como ele se negou a fazer por mim e por outros companheiros que
partiram em suas mãos, pois apesar dele me achar irracional, eu ainda acredito
em Deus e sei amar , respeitar e pedir por pessoas como ele e a quem me oferece
abrigo.
E hoje, apesar
de ser ignorado como ser vivo, por pessoas como ele, estou em paz, ao contrário
dele, que jamais na vida saberá reconhecer a paz e o amor.
Carta de um
dos muitos cães para um dos muitos homens que ainda não descobriram que a
ciência deveria humanizar os homens e não desumanizá-los.
01/11/2006
Simone Nardi
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