sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

FEROCIDADES IMPESSOAIS


 “Nunca qualquer floco de neve se sentiu responsável por uma avalanche”Voltaire



Dois anos se passaram desde a mostra do fotografo Adolfo Leirner em São Paulo intitulada: “Crueldades Impessoais” onde nos mostrou de forma brilhante em suas fotografias aquilo que não conseguimos enxergar, ou seja, o absurdo e o insólito de cadáveres de animais que são destinados à alimentação humana.

Temos verificado em nosso cotidiano que a “crueldade” citada por Leirner não alcança apenas os animais ali expostos em suas fotografias, mas extrapola o ambiente asséptico da mostra para mergulhar na sujeira humana de nossa realidade. O mundo hoje passa por uma onda talvez nunca vista em sua história, de atrocidades entre os próprios seres (h)umanos. Na época apontávamos que essa crueldade cometida nos colocava no patamar de seres potencialmente perigosos.


Porque não nos damos conta de nossa cumplicidade diante das crueldades cometidas e que tanto influenciam para um comportamento humano belicoso?



Cauterizamos nossa consciência! Não mais enxergamos nossa crueldade.
Por exemplo: A crueldade desaparece frente a criatividade culinária de pratos exuberantes e tão exaltados pela mídia e pelo modo glamoroso de viver  promovendo a insensibilização de nossos sentidos, o embotamento de nosso senso critico e sensibilidade já tão corroída desde a infância. Melhor dizendo, este embotamento é promovido desde o berço através do desenvolvimento de hábitos e modos de viver, cristalizando assim, modos de ser instalados tão profundamente no sujeito que acabam transformando-se em verdades inalienáveis. 

Mais tarde a educação escolar, a cultura, as relações interpessoais, os círculos por onde transita, contribuem ainda mais na cristalização dos hábitos ensinados no núcleo familiar – instituição sagrada e inquestionável para uma criança que desde cedo é condicionada aos hábitos nada naturais de alimentação.

Lentamente a criança ou adolescente tem em seu proprio núcleo familiar a perpetuação e automatização de hábitos, posturas e atitudes que deverão conduzi-los pela vida afora..

Esse processo de automatização de comportamentos e hábitos humanos retira-lhe consequentemente o senso do que seja a vida por excelência e suas vertentes e como consequência disso, não associa a morte a seus hábitos cotidianos.

O filósofo Francês Voltaire (François Marie Arouet – 1694-1778) diz numa de suas frases emblemáticas acerca do ser humano: “Os homens nunca sentem remorsos por coisas que estão habituados a fazer”. Constatamos nessa reflexão o automatismo dos hábitos como anestésico de sua consciência. Desassociamos toda e qualquer responsabilidade sobre aquilo que nos é servido como alimento, nos é vendido como adereço ou costurado como vestimenta, só para citar três das necessidades humanas envolvidas diretamente com a crueldade e morte de animais e principalmente com a degradação ambiental gerada por esses hábitos.



Justificamos tudo isso afirmando que “sempre foi assim” ou “Deus deixou os animais para consumo”, ou ainda, “não fui eu quem matou” etc. etc. Desviamos de nossa atitude individual a responsabilidade pela morte e crueldade, imputando ao coletivo essa responsabilidade. Voltaire mais uma vez nos socorre com uma reflexão extraordinária: “Nunca qualquer floco de neve se sentiu responsável por uma avalanche”

Isentos da culpa, difundimos o mais que puder a satisfação um prato sofisticado onde jaz uma vida. Devidamente adormecidos os sentimentos de piedade e compaixão, devoramos sem pensar no que mastigamos agradecidos a Deus pelo alimento (?).

Há alternativas? Sim, há! E muitas.

Mais importante que a força de vontade de optar pelo veganismo ou vegetarianismo, é a força de vontade de libertar-se dos automatismos e condicionamentos impostos que nos roubaram a sensibilidade e a ternura pelos demais seres viventes. Só assim poderemos então nos tornar autônomos e éticos por excelência, pois, estaremos respeitando antes de tudo, o mais importante princípio humano - A Vida.



Antonio Simões, filosofo, sociólogo e colaborador do Blog.



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