quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Apenas Um - Conto















Seus olhos tristonhos  focalizaram o asfalto úmido no qual caminhava. Aquelas luzes deveriam significar felicidade, não tristeza. Era Natal. Nascimento. Vida. Amor.
Mas talvez não para ele.
Seus pés estavam molhados, seu corpo sujo e fedendo a óleo. Seu estômago doía, pois há dias  não se alimentava. As pessoas se afastavam dele, o humilhavam. Riam de sua tristeza. Nem mesmo o significado daquela noite as fazia perceber que ele necessitava ao menos de uma palavra de carinho.
As casas ricas e enfeitadas o abominavam. Os transeuntes desciam das calçadas para não passarem perto dele. Ele sentia sede e fome. Sentia tristeza e solidão. Desprezo.
Recomeçou a andar sem rumo quando uma voz forte e decidida o chamou.
      Hei amigo, venha , eu também estou abandonado essa noite.
Aqueles olhos tristes criaram  luz, um raio de alegria que o fez dar meia volta e aproximar-se do velho mendigo que, como ele, estava imundo e molhado pela garoa fina. As mãos estavam sujas, mas lhe acenavam com alegria. O rosto, marcado pela dureza da vida, mesmo assim um sorriso o acolhia. Ele não pensou duas vezes e correu na direção daquele abraço carinhoso do qual tanto necessitava.
Sentiu-se seguro. Amado, realmente querido. Quando sentaram-se em frente as belas mansões e dividiram um pedaço de pão , sua alegria transformou-se em jubilo. Ele reviu as mesas fartas, as pessoas ricas que não se importavam com sua fome, no entanto aquele mendigo dividia com ele seu único pedaço de pão. Talvez a humanidade ainda não estivesse perdida.
Sua língua comprida lambeu as mão imundas e o rosto abatido daquele velho mendigo que acariciava seus pelos desgrenhados. Ele não era apenas um cão de rua, agora era um amigo e permaneceu ali até o homem adormecer sob a noite  chuvosa.
Então,  em silêncio, começou a se afastar. Uma luz imensa rodeou-lhe a figura e o que eram patas  tornaram-se pés. Os pelos sumiram e um manto alvo cobriu-lhe o corpo, um par de asas romperam-lhe das costas e ele alçou um voo silencioso em direção ao céu.
A chuva cessou e o céu resplandeceu em estrelas enquanto sua voz poderosa clamava.
“Abençoai os homens , Senhor, pois ainda resta-lhes no coração o amor. Eu vim e descobri um que fez valer a pena. Apenas um, como me pedistes . Deixai prosseguir a vida na Terra, por ele eu vos peço. Perdoai a humanidade e não a destruí, pois uma alma nobre ainda sabe o que é Natal”
E o anjo da destruição partiu, deixando que as estrelas iluminassem a Terra e os homens que ainda conseguiam vê-las.



Simone Nardi



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