A crise da linguagem
Investigar a linguagem, e sua "crise", é um dos desafios mais intrincados para os pensadores. Conheça a visão de três grandes autores sobre o assunto
POR SIMONE DE NARDI GRAMA*
Platão, Sócrates, Crátilo e tantos outros já se debruçaram
sobre a investigação da linguagem, sobre a significação dos nomes e
sobre a relação entre a linguagem e o ser. Os sofistas fizeram uso hábil
da linguagem, transformando o que poderia ser "falso", em "real". A
Filosofia faz uso da linguagem para buscar o conhecimento, e vamos
tentar identificar o que levou a linguagem a entrar em crise, se ela
mesma por não conseguir expressar o mundo em palavras, ou se o ser
humano a fez entrar em crise por fazer um uso degenerado das palavras
com as quais ela nos serve.
Qual seria efetivamente a relação do ser humano com a
linguagem, essa nunca foi uma pergunta nova, contudo, essa questão foi
um dos temas que chamou a atenção de Mauthner que como muitos
outros filósofos, tentou buscar na essência da linguagem a solução para o
problema que se apresentava. Realmente seriam as palavras capazes de
expressar a beleza da vida, a concepção humana de mundo?Estaria ela
limitada e se estivesse, quais seriam seus limites e qual o papel que
ela desempenha? Para responder a essas questões Mauthner vai examinar a
linguagem em si, não as linguagens dos povos, mas a Linguagem, aquilo ao
qual ele poderia chamar de essência da linguagem. Em sua crítica, ele
não deseja separar ou diferenciar, como fez Kant, pois para ele isso
seria uma mera observação da linguagem e não é essa sua intenção, ele
deseja buscar uma visão mais clara, ou seja, a essência da linguagem em
si. Suas reflexões visam demonstrar que a linguagem nada mais é do que
uma grande ilusão, uma abstração, para isso ele vai demolir essas
ilusões, revelando assim a verdadeira face da linguagem.
Mauthner Fritz Mauthner (1849- 1923) foi um filósofo, novelista, crítico teatral e ensaísta austro-húngaro, especializado em filosofia da linguagem. Nossas convenções Hermógenes defendia uma visão convencionalista, que defendia que os nomes eram escolhidos por uma convenção, não podendo, portanto , existir nomes falsos, aqui na crise da linguagem, como também o fará Kraus, veremos que muitas vezes ela é usada conforme o desejo humano, por uma convenção que possa beneficiar algumas classes. |
Segundo podemos encontrar no texto " A crise da Linguagem na
Viena Fin-De-Siécle", para Mauthner a linguagem está subordinada aos
nossos hábitos e as nossas convenções, não tento por isso,
elementos universais, por isso a ausência da unidade e a variação no
significado das palavras. Mauthner nos diz então, que devido a tudo
isso, a linguagem não possui uma essência, sendo apenas um apanhado de
convenções que, apesar de precárias, desempenham de forma eficiente, seu
papel dentro da sociedade, sendo que tais convenções ocorrem exatamente
por causa do "papel vil", entre as relações humanas, reduzindo a
linguagem ao uso que fazemos dela que pode ser Bom ou Mau. Mauthner
propõe então o suicídio da linguagem, sua desconstrução, insinuando o
ingresso da filosofia no reino do silêncio, pois para ele apenas entre
os incultos existe uma linguagem sã, enquanto que, no seio intelectual e
artístico, evidenciava-se o uso vazio da linguagem. Mauthner propõe
também o silêncio para alcançar o mítico,de forma a se alcançar uma vida
harmoniosa com o mundo, ou seja, o silêncio faria com que o homem se
harmonizasse novamente consigo mesmo e com o mundo que o rodeia.
Hofmannsthal também se debruçou sobre o problema da
linguagem. Assim como Mauthner, Hofmannsthal acreditava que a linguagem
era solidão, sobretudo porque sentia-se mal ao dizer palavras como
"alma", espírito" ou "corpo", certos diálogos o deixavam furioso e lhe
pareciam sobretudo, falsos, o que o fazia sentir-se amargamente
solitário, para ele as palavras eram estéreis, destituídas de um sentido
e lhe traziam imobilidade, afastando-o e anulando-o frente ao mundo.
Assim como Mauthner, Hofmannsthal apelou ao místico, buscou uma ligação
mais forte com o mundo pautada apenas nos sentidos, buscando como
Mauthner, o reino do silêncio, onde para ele a Vida sim se revelava com
sua verdadeira linguagem. Assim ele coloca que a crise da linguagem
ocorre porque ela não possui uma capacidade eficiente, para a expressar a
Vida em palavras. Como Mauthner, Hofmannsthal acusa a linguagem de ser
incapaz de demonstrar o mundo, por ser restrita e limitada.
KRAUS: DEGENERAÇÃO DA CULTURA, DEGENERAÇÃO DA LINGUAGEM
Karl Kraus, ao contrário de Mauthner e Hofmannsthal, dirige ao ser
humano, a culpa pela crise da linguagem. A degeneração da cultura
vienense para ele, causou também a degeneração da linguagem, que foi
asfixiada pelo mau uso que fizeram dela, sobretudo artistas e
jornalistas. Devemos lembrar que Hofmannsthal, embora tenha rompido com
sua veia poética, escrevia peças de óperas. Kraus concordava com
Mauthnner ao dizer que o povo humilde é que conhecia a verdadeira
linguagem, porém para Kraus, isso vinha sendo tirado pelo mau uso dela
em folhetins, e a crise da linguagem ocorreu exatamente com a relação de
mau uso da imprensa no uso da língua, foi esse uso degenerado da
imprensa que destruiu a linguagem. Ao contrário de Mautner e
Hofmannsthal, Karl Kraus não acreditava que a linguagem em si fosse o
problema, não acreditava que fosse incapaz de demonstrar o mundo em
palavras , nem por isso inconsistente, sua corrupção ocorreu com a morte
da cultura, onde para ele, a imprensa teve enorme influência. Era, na
opinião de Kraus, a imprensa quem fornecia novas práticas e novos
valores sociais a cultura vienense, era ela quem os manipulava e
conduzia para onde bem entendesse e desejasse. O jornal possuía poder, e
seu poder se espalhava por todas as classes, construindo aos poucos a
opinião pública, produzindo um novo paradigma, uma nova cultura, através
de interesses, puramente financeiros de quem pudesse pagar mais. "Ela
tornou-se a principal responsável pela redução da palavra escrita a um
envelope conveniente para uma opinião"( "A crise da Linguagem na Viena
Fin-De-Siécle")
Mauthner Fritz Mauthner (1849-1923) foi um filósofo, novelista, crítico teatral e ensaísta austro-húngaro, especializado em filosofia da linguagem. Nossas convenções Hermógenes defendia uma visão convencionalista, que defendia que os nomes eram escolhidos por uma convenção, não podendo, portanto , existir nomes falsos, aqui na crise da linguagem, como também o fará Kraus, veremos que muitas vezes ela é usada conforme o desejo humano, por uma convenção que possa beneficiar algumas classes. |
A linguagem usada nos folhetins era ornamentada, maquiada, nada
mais era do que uma linguagem estéril, coberta de más intenções e que
possuía, simplesmente, a função de moldar opiniões, o que foi destruindo
assim, a cultura vienense e destruindo, distorcendo por assim dizer a
essência da linguagem. Essa "morte da cultura" afastava mais e mais a
sociedade do místico, do real, de si mesma e talvez um detalhe que Kraus
tenha disto, e que nos remete aos dias atuais: "escrever com a
linguagem ou escrever guiado pela linguagem?", o certo é que os
folhetins vienenses escreviam com a linguagem, encobriam, enganavam e
iniciavam, para Kraus, a crise da linguagem. Karl Kraus pede a
revalorização da linguagem, a superação de sua crise através do
envolvimento no "interior da linguagem", de sua lógica, à volta ao bom
uso da palavra, o que havia sido, com certeza, esquecido pela cultura
vienense.
Três pensadores, um só objetivo, desvendar o que levou a
linguagem a uma crise, de um lado a acusação de Mauthner e Hofmannsthal a
linguagem, como sendo ela uma mera ilusão, incapaz de definir o mundo
em que vivemos, segundo eles, apenas no reino do silêncio, dos
sentimentos é que permaneceria a verdadeira linguagem, que não poderia
ser descrita em palavras; esse retorno ao místico une Mauthner e
Hofmannsthal, esse retorno ao mundo, a hora de aprender a calar, a
silenciar, pois para eles, não há um universal, não há uma essência que
possa tornar a linguagem algo eficiente para demonstrar a vida, por isso
a necessidade da destruição da linguagem e a busca pelo mundo interior.
De outro lado Karl Kraus, que dirige a culpa pela crise da linguagem a
própria sociedade, ao uso degenerativo que as pessoas fizeram das
palavras, aos interesses financeiros que os conduziram e a degeneraram,
ela sim uma vítima da incapacidade humana de comunicar-se, pede ele a
revalorização da mesma, para que possa , a linguagem, sobreviver.
Será que a crise da linguagem foi realmente superada?Pela visão
de Kraus, é possível dizer que não, pois hoje os folhetins foram
substituídos pelos telejornais, pela internet que fazem a massificação
da sociedade, e a leva a morte da cultura,esmagando sob seus pés a
linguagem das palavras, tal como ocorreu em Viena, sinal de que talvez
também estejamos, em nosso fim de século cultural, e que Como Mauthner e
Hofmannsthal concluíram, talvez apenas no silêncio, o homem possa
realmente encontrar a verdadeira linguagem.
Hofmannsthal Um dos fundadores do Festival de Salzburgo, o escritor e dramaturgo austríaco Hugo Laurenz August Hofmann von Hofmannsthal (1874- 1929) foi um colaborador do compositor e maestro alemão Richard Strauss (1864-1949). |
PANSARELLI, Daniel (org.) Metafísica, Epistemologia e Linguagem. São Bernardo do Campo: Umesp, 2009. SILVA, José Fernando da. "A crise da Linguagem na Viena Fin-De-Siécle". Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, 2008. |
Link original:
A crise da linguagem
Filosofia - Conhecimento Prático
filosofia.uol.com.br/filosofia
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