segunda-feira, 16 de março de 2015

Memórias de uma Infância


Suzi, cocker, foi abandonada na velhice , nós a recolhemos e ela nos proporcionou 10 anos maravilhosos

Nós éramos muitos, eu me lembro, eu e meus irmãos. Chovia e eu sempre estava molhado, embora minha mãe sempre tentasse nos proteger. Uma vez ela saiu e nunca mais voltou, dois de meus irmãos tentaram encontrá-la e também não voltaram mais. Ficamos apenas os quatro, três irmãs e eu. Sozinhos.

Um dia apareceu um homem e nós olhou atentamente. Falou, fez perguntas. Olhou minhas irmãs, depois me pegou e me levou com ele. Nem tive tempo de pedir à ele que também levasse minhas irmãs, afinal elas ficariam sozinhas e desprotegidas. Fiquei nervoso, quis me soltar e voltar correndo, mas o homem me segurou com força e partimos num grande carro.

Prometi a mim mesmo que voltaria um dia, e que encontraria minha mãe e meus irmãos novamente . Quando chegamos na casa dele várias pessoas vieram me recepcionar, crianças, velhos, a esposa dele foi a única que não veio me abraçar. Não me incomodei, pensava apenas em ficar forte e voltar para ajudar minha família.

O tempo passou e eu fui crescendo, me acostumando aquela nova vida mas jamais esquecia da minha mãe e dos meus irmãos. Torcia paraque a sorte deles houvesse sido boa, melhor que a minha. Sim, eu já começava a entender as coisas da vida. Nada mudara muito desde que eu fora tirado da rua.

Comia uma vez por dia e trabalhava muito. Como eu estava mais crescido, as pessoas já não me tratavam com tanto carinho, ao contrário, a palavra que mais pronunciavam era feio, depois burro. Eu até me afeiçoara a eles, mas eles não desejavam mais meus mimos.

Eles não sabiam que eu os conhecia e compreendia o que queriam de mim. Claro que não era burro. Feio? Bem, não sei dizer, nunca me olhei de frente mas também não me importava.

As vezes chorava na minha solidão , lembrando-me do dia da separação. Pensei que minha vida seria melhor, que eu poderia voltar e salvar minha família. Nada, nenhum dos meus sonhos se realizava.

O tempo passou e fui amadurecendo. Já não era mais criança, mesmo assim trabalhava por comida e apanhava por qualquer motivo. Doía-me a lembrança de minha mãe, embora minha nova família insistisse em dizer que eu já não me lembrava mais dela. Mentira, meu coração guardara por ela aquele sentimento que só os filhos entendem.

Eu queria fugir, mas não conseguia, todos me vigiavam. Eu era um escravo cativo, sem desejos, sem liberdade, mas jamais sem sonhos e esperanças. Um dia, pensava eu, um dia irei rever a minha família.

O tempo passou e fui envelhecendo. Imprestável passou a ser a palavra mais usada por aquela família. As surras continuaram, a comida diminuiu. Muitas vezes dormi ao relento, tomei chuva e adoeci. Já não pensava mais em fugir.

Eles matavam aos poucos os sonhos que eu ainda podia ter. Mas no meu coração, a lembrança de minha mãe me dava forças para continuar.

Lembro-me que vi o portão se abrir. “Fora seu imprestável “. Gritou o dono da casa, o mesmo que anos atrás havia me separado de minhas irmãs.

Sai. Era um sonho que se realizava.

Clint, resgatado

Minhas costas doíam, minhas pernas fraquejavam. A fome tolheu-me as forças e minha visão já não era tão boa quanto antes. Mesmo assim deixei aquele lugar rumo ao meu velho aconchego, de onde um dia fora retirado.

Andei muito até encontrar o ninho de amor que havia deixado há anos atrás.

Estava vazio. Sentei-me desolado na calçada revendo as imagens agora já quase apagadas de minha família. Relembrando as brincadeiras e o carinho de minha mãe.

Chorei, porque vi perder-se ali, o último fio de esperança que retinha no peito.

Estava sozinho num mundo que não era mais meu. Adormeci e meus sonhos me levaram ao passado feliz de minha infância.

Senti um toque suave e quando abri os olhos vi que minha mãe sorria para mim. Meus olhos orvalhados pela emoção se fecharam, me ergui e corri até ela. Estava feliz, eu a encontrara finalmente.

Minhas pernas não mais fraquejavam. Minhas costas não mais doíam. Olhei ao redor e revi meus irmãos. Todos levemente iluminados, notei que eu mesmo exalava uma pequena luz, foi então que minha mãe me mostrou a realidade.

Eu vi o cachorro acinzentado deitado na calçada. O pelo ensopado pela garoa fina que caia. O focinho arranhado pela última surra. As costelas a mostra por causa da fome.

Olhei-me e vi o pelo acinzentado brilhando, o focinho curado , o corpo bem feito.

Não, eu não era feio, nem burro. Eu fora maltratado durante muitos anos e a morte viera trazer-me novamente a alegria de viver.

Cada um de meus irmãos sofrera o mesmo que eu. Alguns ainda pior. Mas isso não importava mais, estávamos juntos novamente. Éramos uma família e éramos felizes e ninguém mais agora, poderia nos separar.

Que Deus abençoasse a raça humana para que um dia eles pudessem ver que nós, seres irracionais, podemos ter por eles, muito mais amor do que eles por nós.

Agora eu partirei, pois sou um filhote novamente e espero um dia, renascer e viver, mas dessa vez.......com respeito.

Adeus.

 

 

Simone Nardi

 

 

 

 

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