O
teólogo Charles Camosy, autor de livros sobre o amor cristão aos animais,
alerta sobre a cumplicidade do consumidor com a crueldade contra os animais
“Crescei
e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra",
comanda o primeiro capítulo do livro do Gênesis. No entanto, para o teólogo
Charles Camosy, este “domínio” que Deus deu ao homem vem sendo muitas vezes mal
interpretado ao longo dos anos. “Nosso domínio deveria seguir o exemplo de
Jesus, para quem liderança significa serviço não violento aos que estão à
margem. Os animais devem constar como pertencentes a este tipo de população
marginal”, propõe.
Camosy, que concede entrevista por e-mail à IHU On-Line, critica
duramente a crueldade contra os animais para fins de alimentação. De acordo com
ele, o simples fato de desejarmos nos alimentar de suas carnes não é motivo
suficiente para promover o sofrimento dos “animais não humanos”. “Para muitas
pessoas, o único momento em que elas interagem com animais durante todo o dia é
quando os comem.” O filósofo trata do veganismo e do vegetarianismo como
alternativas, destaca a diferença de seu pensamento com o de Peter Singer
(outro autor que defende os direitos dos animais) e marca sua posição sobre os
fetos humanos, cujos direitos — tal como dos animais — são muitas vezes
recusados.
Charles Camosy possui graduação em Filosofia e em Comunicação e Teatro pela
Universidade de Notre Dame. Pela mesma universidade, possui também mestrado em
Teologia Sistemática e doutorado em Ética Cristã, além de doutorado em
Filosofia pela University
of California. Atualmente é professor assistente de Ética Cristã na
Universidade de Fordham (EUA). Além do livro que baseia esta entrevista,
intitulado For Love of
Animals: Christian
Ethics, Consistent Action ( Franciscan Media: Cincinatti,
2013), Camosy é autor de Too
Expensive to Treat? - Finitude, Tragedy, and the Neonatal (Grand
Rapids: Wm. B. Eerdmans Press, 2010) e Peter Singer and Christian Ethics: Beyond Polarization(Cambridge:
University Press, 2012).
Confira a
entrevista.
IHU On-Line - Em que
consistem as práticas condenáveis às quais você se refere sobre a criação de
animais em confinamento nas fazendas industriais nos EUA?
Charles Camosy - Estas
práticas não estão limitadas às fazendas americanas, mas são projetadas para
maximizar as “unidades proteicas por metro quadrado”. Elas incluem manter os
porcos em “gaiolas de parto” nas quais eles passam a maior parte de suas vidas
sem mesmo ter um espaço para se virar para trás. As peruas criadas possuem o
peito tão grande que sequer conseguem fazer sexo com seus pares, precisando que
o sêmen do macho seja “obtido manualmente” para inseminar artificialmente a
fêmea. Galinhas chocadeiras passam a vida inteira em gaiolas empilhadas, com 50
cm² de espaço, sendo atingidas pelas fezes das galinhas acima. Hoje, as
galinhas são geneticamente manipuladas de tal forma que elas nunca se sintam
“estufadas” e comam tanto quanto possível, no menor espaço de tempo; portanto,
elas estão constantemente famintas. Eu poderia dizer muito mais, incluindo as
práticas repugnantes empregadas para matarmos estes animais, mas você entendeu.
Eles são vistos como meras “coisas” que estão ao nosso dispor, como qualquer
outro tipo de produto em um supermercado.
IHU On-Line - Em que
aspectos consumir a carne desses animais é compactuar com um ato vergonhoso e
pecaminoso?
Charles Camosy -
Na medida em que compramos carne com base no preço, somos cúmplices dos atos
vergonhosos e pecaminosos acima trazidos. Afinal, o motivo pelo qual as
“fazendas industriais” tratam os animais de forma tão terrível é porque tentam
reduzir os custos para que possamos comprar seus produtos pelo preço mais
baixo. Precisamos comprar carnes de animais que foram bem tratados — e,
portanto, mais caras — ou teremos de nos recusar a comprá-las de vez.
IHU On-Line - Em que medida
há uma compreensão equivocada do livro do Genesis sobre como devemos conviver
com os animais não humanos?
Tripas de boi espalhadas no chão |
IHU On-Line - Por que a
humanidade deve bondade aos animais não humanos?
Charles Camosy -
Bem, se a pessoa for católica, podemos citar o Catecismo da Igreja Católica que
insiste que “devemos bondade aos animais”. A linguagem de justiça é usada.
Devemos bondade aos animais, e precisamos dar isso a eles, especialmente se
respeitarmos o ensino (a doutrina) católico.
IHU On-Line - A partir
disso, em que medida o antropocentrismo é um dos pilares que explica esse
comportamento consumista e exploratório que a humanidade vem demonstrando para
com os animais não humanos?
Charles Camosy - O
antropocentrismo é uma parte significativa deste comportamento. Para muitas
sensibilidades modernas, especialmente conforme mais e mais pessoas migram para
as cidades, os animais se tornam simplesmente invisíveis. Não pensamos sobre
eles, e certamente não pensamos no que devemos a eles em termos de justiça.
Para muitas pessoas, o único momento em que elas interagem com animais durante
todo o dia é quando os comem. É preciso mudar isso e nos tornarmos mais cientes
de como nossas ações contribuem para o sofrimento dos animais não humanos, além
de nos recusarmos a tomar parte deste comportamento consumista e abusivo.
IHU On-Line - Deixar de
consumir carne ou mesmo reduzi-la em nossa dieta podem ser contrapontos ao
consumismo no qual a humanidade se encontra mergulhada?
Charles Camosy - Sim,
poderia. E as tradições cristãs têm uma longa história de práticas alimentares
éticas, incluindo a rejeição de consumir carne. Deveríamos prestar mais atenção
a estas práticas, especialmente durante a Quaresma.
IHU On-Line - O veganismo e
o vegetarianismo surgem como opções éticas para deixarmos de lado o consumo de
carne?
Charles Camosy - Sim,
são. E eu acho que eles são métodos úteis de resistência. Não há uma “única
resposta certa para todo mundo” quando se trata de como resistir à exploração
de animais em nossa cultura consumista. O que precisamos é encontrar formas que
funcionem para cada um de nós.
IHU On-Line - Ao mesmo
tempo em que boa parte da humanidade nega a dignidade dos animais não humanos,
o mesmo ocorre com os fetos, por muitos considerados “sem direitos”. Quais são
as implicações éticas desse tipo de posicionamento?
Charles Camosy - De
algum modo, nossa história humana de pecado pode ser contada como constituindo
episódios em que o poderoso domina o fraco, principalmente quando a dignidade
do fraco é inconveniente para o poderoso. A dignidade dos animais é
inconveniente àqueles de nós que querem comer carne fresca. Mas a dignidade de
nossas crianças no pré-natal também é inconveniente àqueles no poder, especialmente
quando estes bebês representam prejuízos às nossas carreiras e capacidades de
vivermos um estilo de vida consumista. É por isso que o a Doutrina Social
Católica insiste que devemos ter uma opção preferencial pelos mais vulneráveis;
estas populações precisam de uma voz que as defenda em sua dignidade contra os
poderosos. Eu acredito que tanto os animais não humanos quanto nossas crianças
pré-natais (embora obviamente os bebês não sejam iguais aos animais) são
populações marginalizadas que precisam de nós para falarmos por eles.
IHU On-Line - Quais são os
principais pontos de debate e convergência de seu pensamento com Peter Singer
?
Charles Camosy -
Em primeiro lugar, as opiniões de Peter Singer estão em meus pensamentos quando
trato deste assunto; então eu o agradeço por isso. Ele tem feito um belo
trabalho no sentido de que levemos mais a sério o status moral dos animais. E
embora eu concorde com ele sobre o fato de que nosso interesse em comer carne
animal não pode justificar o mal que lhes causamos, discordo, sobretudo, de seu
utilitarismo preferencial. Discordo, obviamente, por completo dele sobre o
status moral das crianças em estado pré-natal e neonatal, mas também discordo
dele sobre a forma como descrevemos o valor dos animais não humanos.
A teoria moral dele o limita a falar somente de prazer, dor e preferências, mas
os cristãos podem falar do florescer dos animais, já que Deus os criou. Se um
pássaro morre, isso é ruim. Mas ele pode ter morrido sem dor, caso no qual o
utilitarismo terá problemas para explicar por que tal morte é ruim. Os cristãos
podem dizer que a morte de um pássaro é ruim por ter falhado em ser e florescer
conforme os desígnios de Deus a fim de contribuir para com o universo repleto
de vida criatural. Como falhou em ser e florescer como o animal que é, sua
morte é ruim. Assim, a forma como nós, humanos, tratamos os demais animais é
terrível, não só porque eles sofrem, mas também porque a estas criaturas não se
permite ser e viver como as espécies que elas constituem, na forma como Deus
desejou.
Gostou
deste Blog?
Mande
um recado pelo
Nos
Ajude a divulgar
Todos os direitos reservados
RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS - CÓPIA E REPRODUÇÃO LIBERADAS DESDE QUE CITADA A FONTE - 2017
C |