Transcrevo
aqui a palestra realizada no grupo Fraternal Francisco de Assis(GFFA) e,
06/11/2010.
Há
em nós instintos de violência, vontade de dominação, arquétipos sombrios que
nos afastam da benevolência em relação à vida e a natureza. Aí, dentro da mente
humana, se inicializam os mecanismos que nos levam a uma guerra contra o
Planeta. Eles se expressam por uma categoria: Antropocentrismo.
Leonardo Boff
Para as pessoas que
ainda desconhecem esta palavra, antropocentrismo é o ser humano como o centro
do Universo. Com tudo girando em torno dele e, para ele, nada que ele faça de
mal a outras criaturas merece ser visto como falta de ética. Assim estamos
caminhando há anos, explorando e dominando as demais espécies em nome de uma
que se acredita: divina.
Leonardo Boff, no
trecho que inicia este artigo, coloca com clareza a nossa violência interna e
nosso eterno desejo de dominação, o que nos afasta do amor e da bondade. Esse
antropocentrismo é o mecanismo que usamos para violentar os animais e tirar
deles o bem que lhes é mais precioso: a vida.
Para o
antropocentrismo nada mais importa, a não ser a sua própria espécie, não
enxergando as demais, ele passa a acreditar que não possui responsabilidade
alguma e assim prossegue em sua própria destruição.
SERÁ QUE TODOS OS ANIMAIS SÃO
IGUAIS?
Embora alguns digam
que todos os animais são iguais, vamos conhecer a história de dois gatos:
Macavity é um gato
londrino que todos os dias vai até o ponto do ônibus 331 em Wassall, entra,
ajeita-se em seu canto e desce na parada seguinte. Ele sempre desce no mesmo
ponto onde existe um restaurante que serve peixe com batatas fritas.As pessoas
simplesmente desconhecem quem é o tutor dele.
Kharlo, por outro
lado, é constantemente maltratado por seus “donos”, jovens de 14, 16, 17 e 18
anos, que jogam o animal da janela do quinto andar enquanto filmam a queda,
isso até que um vizinho se comova e chame a polícia.
Esses animais são
iguais?
Os animais sim, os
donos e os tutores é que são diferentes, a visão de cada pessoa torna a vida
dos animais ou um paraíso ou um inferno.É esse desinteresse pela vida dos
animais, é esse antropocentrismo exacerbado que tornou a vidas destas criaturas
um caos.
DE ONDE SURGIU ESSE DESINTERESSE
HUMANO SOBRE OS ANIMAIS?
Anualmente mais de
50 bilhões de animais são mortos em interesse de uma só espécie, muitos
interesses são tão triviais que as pessoas deveriam se envergonhar disso. Mas,
de onde vem o nosso antropocentrismo?
FILOSOFIA : ARISTÓTELES
De muito longe, mas
escolhi Aristóteles para explicar melhor o que ocorreu em nossa
mente.Aristóteles, filósofo grego discípulo de Platão dividia os seres humanos
em castas, a conhecida Pirâmide Aristotélica era assim dividida:
1- Nobres
2- Plebeus
3- Escravos
Não havia ainda nela
espaço reservado para os animais, pois em sua visão, não havia qualquer tipo de
racionalidade neles, até havia “uma certa” sensitividade, porém nada que os
abonasse diante dos seres humanos.Os animais eram inferiores aos “homens”, as mulheres
eram inferiores aos “homens”, os escravos eram inferiores aos “homens” e, por
isso, deveriam ser sempre escravos.
FILOSOFIA : DESCARTES
Muito tempo depois
René Descartes daria um respaldo ainda maior para o antropocentrismo com seu
Cogito Ergo Sum( Penso, logo existo). Ao separar a alma do corpo, ele chegou a
conclusão de que o pensamento sim era a essência da alma, o que o levou a expor
que, tudo o que não possuísse alma ( e ele alocou os animais nesse meio) e uma
linguagem inteligível seria apenas algo, uma coisa autômata. Sendo estes corpos
desalmados, desprovidos de pensamentos racionais nada poderiam sentir. Essa
linha de pensamento foi o que o levou a dizer que os animais, (desprovidos de
pensamento racional e alma), não passariam de máquinas, pois para ele a
linguagem era a prova de que um ser é capaz de pensar, de ter uma alma e de
sentir.
Para a razão
cartesiana os animais não possuíam uma linguagem que fosse nem inteligível e
nem universal, igualmente não possuíam consciência de si mesmos nem tampouco do
mundo que os cercava, não possuindo faculdades cognitivas (racionais) que lhes
permitisse possuir uma alma.Em resumo, não pensavam, não possuíam alma,
moviam-se apenas de forma mecânica, buscando alimentos de modo tão autômato
quanto uma máquina, tal como o relógio necessitava de corda, não havendo assim
qualquer necessidade de ética para com eles. Os animais foram muito usados em
experimentação animal por Descartes e seus discípulos e seus gritos, para o
filósofo, eram tal como as rodas da carroça que gemiam sobre os buracos, nada
com que devessem se preocupar.
FILOSOFIA : THOMAS HOBBLES, JOHN LOCKE, IMMANUEL
KANT
Thomas Hobbles |
Outros filósofos
igualmente tiraram dos animais os direitos a vida e a paz que deveriam ter,
entre eles Thomas Hobbles, John Locke e Immanuel Kant, todos eles achavam que
os animais até podiam sentir, mas que não raciocinavam não tendo assim um
estado moral como o dos seres humanos , de forma que não lhes eram permitidos
qualquer direito moral ou ético que pudesse vir a protegê-los.
Locke |
Kant |
FILOSOFIA
: RELIGIÃO
Passamos pela Filosofia e adentramos um campo muito delicado, o das “religiões”, como nosso passeio é breve não vamos esmiuçar cada uma delas, mas apenas trazer alguns parâmetros que alicerçaram as bases do antropocentrismo.
Segundo alguns
historiadores o judaísmo e o cristianismo sãos as duas principais religiões que
justificam a subjugação dos animais, vamos nos concentrar no cristianismo,
nele, segundo a Bíblia, Deus teria concedido ao ser humano o domínio sobre as
demais espécies. Deus teria dito: “ Façamos o homem a nossa imagem e
semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais
da terra , todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a
terra.”(Gênesis).
Após o Dilúvio,
Deus teria dito a Noé: “ Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e
de todas as aves do céu , como de tudo que se move na terra e de todos os
peixes do mar. Tudo o que se move e possui vida vos servirá de alimento, tudo
isso eu vos dou, como vos dei a verdura das plantas.”(Gênesis)
Muitos se
esquecem, no entanto, que todos os livros sagrados foram escritos pelos seres
humanos, seres já imensamente antropocêntricos por natureza.Mais adiante vamos
ver que Thomas de Aquino baseou-se na filosofia aristotélica e alegou
igualmente que nada era maior que a espiritualidade humana, seres estes criados
a imagem e semelhança de Deus, portanto, esse distanciamento entre seres
humanos e animais era apenas uma “Lei Divina” . A dominação humana sobre os
demais seres nada mais era do que fruto dessa “ordem hierárquica de
perfectibilidade” humana.
RELIGIÃO : THOMAS DE AQUINO
Aquino |
Para Thomas de
Aquino, matar animais era um direito natural do ser humano, direito esse que
fora concedido por Deus. “Não importa como o homem se comporta com relação aos
animais, porque Deus sujeitou todas as coisas ao poder do homem -e é nesse
sentido que o apóstolo diz que - Deus não se importa com os bois, pois Deus não
pede ao homem para prestar conta do que faz com os bois ou com os outros
animais.”
RELIGIÃO : SANTO AGOSTINHO
Agostinho |
Outro filósofo
cristão a reforçar o antropocentrismo, entre outros, foi Santo Agostinho, para
ele a diferença entre homens e animais baseava-se nitidamente na
racionalidade.Ele retirou dos animais o campo emocional e qualquer capacidade
de raciocínio, o que excluiu dos animais qualquer possibilidade de alcançarem
seus direitos, tornando-os maciçamente inferiores.Assim ele estabeleceu uma
distinção entre o que denominou “almas racionais”, subdividindo-as em 3
categorias: celeste nos deuses, aéreas nos demônios e terrestres nos homens.
Deste modo a alma dos animais era considerada uma alma irracional e inferior,
sem qualquer valor significativo.Para ele, a hierarquia das almas se refletia
na hierarquia da vida.
CIÊNCIA
Caminhando,
chegamos agora ao campo da ciência que, mesmo tendo se apartado das religiões,
utilizou-se das crenças religiosas e filosóficas, aceitando de bom grado o fato
de que os animais não possuíam senciência – capacidade de sentir dor ou medo-
passando assim a utilizar ainda mais os animais em seus experimentos
científicos sem qualquer culpa ou, como havia colocado Santo Agostinho: sem
pecado. Agora a ciência poderia fazer tudo. Relaciono aqui alguns itens que são
considerados cientificismo e que permitem à ciência, ficar de consciência
tranquila no que tange a dor animal:
1-
Desconsideração de Valores
2-
Disponibilidade de animais
3- Exploração
inconsequente da natureza
Fortaleceu-se ainda mais o antropocentrismo. A
visão de muitos filósofos, bem como a visão Bíblica baseia-se
inconsequentemente no antropocentrismo, ou seja, tudo o que é feito deve visar
única e exclusivamente o bem dos seres humanos, não havendo dentro deste
paradigma, espaço para que o ser humano se preocupe com os demais seres ou
mesmo com o Planeta.
E quais são os caminhos de volta?
A VISÃO ANTROPOCENTRICA E OS CAMINHOS DE VOLTA
Uma das primeiras coisas em que
devemos pensar é que, neste caso, nós é que construímos Deus a nossa imagem e
semelhança, culpando-o por nossos desejos e fraquezas. Abaixo cito alguns
outros filósofos que se opunham, de certa forma, a ideia dos animais serem
desprovidos de alma e de direitos.
FILOSOFIA, RELIGIÃO E CIÊNCIA
JEREMY BENTHAM
O primeiro deles é Jeremy Bentham:
Bentham |
“Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adulto são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é ‘Eles são capazes de raciocinar?’, nem ‘São capazes de falar?’, mas, sim: ‘Eles são capazes de sofrer?”.
FILOSOFIA, RELIGIÃO E CIÊNCIA
Já Voltaire, se opõe com veemência ao pensamento cartesiano de que os
animais não possuíam alma e por isso, nada poderiam sentir:
“Os filósofos dizem-me: Não vos enganeis, o homem é inteiramente diferente dos outros animais, tem uma alma espiritual e imortal (…). Escuto esses mestres e lhes respondo, sempre desconfiando de mim mesmo, mas nem por isso confiando neles. Se o homem tem uma alma, tal como assegurais, devo crer que este cão e esta toupeira têm uma semelhante. Todos me juram que não. Pergunto-lhes qual a diferença que existe entre este cão e eles. Uns respondem este cão é uma forma substancial; outros me dizem: Não acrediteis nisso, as formas substanciais são quimeras; este cão é uma maquina como uma manivela. Pergunto ainda aos inventores das formas substanciais o que entendem por essa expressão, e como só me respondem com galimatias, volto-me para os inventores das manivelas e lhes digo: se estes animais são puras maquinas, certamente sereis em comparação com eles, apenas como um relógio de repetição em comparação com a manivela que falais; ou, se tendes a honra de possuir uma alma espiritual, os animais terão uma também, pois são tudo o que vós sois. Possuem os mesmos órgãos com os quais tendes sensações, e se não lhes servirem para a mesma finalidade, dando-lhes tais órgãos Deus terá feito uma obra inútil.”
“Os filósofos dizem-me: Não vos enganeis, o homem é inteiramente diferente dos outros animais, tem uma alma espiritual e imortal (…). Escuto esses mestres e lhes respondo, sempre desconfiando de mim mesmo, mas nem por isso confiando neles. Se o homem tem uma alma, tal como assegurais, devo crer que este cão e esta toupeira têm uma semelhante. Todos me juram que não. Pergunto-lhes qual a diferença que existe entre este cão e eles. Uns respondem este cão é uma forma substancial; outros me dizem: Não acrediteis nisso, as formas substanciais são quimeras; este cão é uma maquina como uma manivela. Pergunto ainda aos inventores das formas substanciais o que entendem por essa expressão, e como só me respondem com galimatias, volto-me para os inventores das manivelas e lhes digo: se estes animais são puras maquinas, certamente sereis em comparação com eles, apenas como um relógio de repetição em comparação com a manivela que falais; ou, se tendes a honra de possuir uma alma espiritual, os animais terão uma também, pois são tudo o que vós sois. Possuem os mesmos órgãos com os quais tendes sensações, e se não lhes servirem para a mesma finalidade, dando-lhes tais órgãos Deus terá feito uma obra inútil.”
FILOSOFIA, RELIGIÃO E CIÊNCIA
LIVRO DOS ESPÍRITOS
Assim também, o Espiritismo explica a diferença de pensamento em
relação aos animais:
597. Pois se os animais têm uma inteligência que lhes dá “uma certa” liberdade
de ação, há neles um princípio independente da matéria?— Sim, e que sobrevive ao corpo.
597-a. Esse princípio é uma alma semelhante à do homem?
— É também uma alma, se o quiserdes; isso depende do sentido em que se tome a palavra; mas é inferior à do homem. Há, entre a alma dos animais e a do homem, tanta distância quanto entre a alma do homem e Deus.
A inteligência, sendo um dos atributos do Espírito, nos mostra que: se há inteligência há Espírito (a inteligência vai se desenvolvendo conforme a evolução do espírito nos mais variados reinos).
FILOSOFIA, RELIGIÃO E CIÊNCIA
DARWIN
Darwin |
Para Darwin os animais possuíam a habilidade de raciocinar e demonstrar emoções, possuindo muitos sentimentos tais como os seres humanos – mesmo que rudimentares – e sendo ainda, capazes de expressar tais emoções.
“Nos animais inferiores vemos o mesmo princípio do prazer causado pelo contato associado com o amor.Cães e gatos manifestamente têm prazer no contato com seus donos e donas, recebendo afagos e tapinhas.” Charles Darwin
Hoje a própria ciência reconhece a senciência animal, essa defesa biológica descrita como uma capacidade física (dor) e psíquica (medo) de sentir.Que mais poderemos dizer para expor aos seres humanos que os animais são, de certa maneira, igual a nós?
Comparação do Genoma Humano com o dos animais:
- Chimpanzé = 99,4 % (diferença de
apenas 0,6%)
- Bonobos = 98,0
- Gorila = 97,0
- Orangotango = 96,3
HUMANOS X NÃO-HUMANOS
Hoje sabemos que a diferença entre o cérebro dos homens e dos animais, se dá somente no Lobo Frontal ,onde o Lobo dos animais tende a ser menor porém, não menos importante.Ou seja, todos os animais possuem. O Lobo frontal é responsável pelo comportamento, temperamento e memória . Portanto, veremos que a diferença entre o cérebro humano e o dos animais mamíferos ,sobretudo, é mais “Proporcional”, pois nos mamíferos a organização do cérebro se dá tal como a dos seres humanos.
UM NOVO DESPERTAR
Deste modo não há mais justificativa para o Antropocentrismo, posto que todos os animais, humanos e não-humanos tem:
- Capacidade emocional e social : compaixão em relação entre as espécies e inter-espécies -
- Sensibilidade: dor ou medo e capacidade de expressar tais emoções -
A QUESTÃO QUE NOS FICA
Sabendo disso, qual atitude tomaremos, de hoje em diante, em relação aos animais, nossos irmãos?
Pensemos nisso com amor.
Simone Nardi
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