quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Filosofia e a Questão dos Direitos Animais (Estudo)-Parte 2



O Dever pelo Dever: Inteligência, razão, sensibilidade


O maior problema é o fato de que, toda cada vez que algum cientista coloca que um determinado animal é inteligente e que pode ter compaixão por outros seres, muitos outros patronos da sabedoria se apressam em dizer que este tenta antropomorfizar[17] os animais não-humanos, porém, parecem incapazes de notar que por parte deles, é recorrente essa visão contrária de aceitar que os animais não-humanos possam ter senciência, tal como os seres humanos – nada mais que um subterfúgio, para que se continue maltratando animais em nome de uma raça que se julga como única espécie racional – sem se darem conta de que possuem , na maioria das vezes, uma Razão irracional quando se trata de animais não-humanos.

Os não-humanos, considerados pela humanidade como animais irracionais- somente porque não procuramos entendê-los como são, no estágio de evolução onde se encontram - não parecem necessitar da razão humana para sobreviverem e não é a racionalidade deles que está degradando o Planeta. No entanto, os seres mais racionais de Gaia produzem toneladas de lixo por dia, esgotam as riquezas naturais, matam com requintes de crueldade não apenas animais não-humanos, mas animais humanos sejam, eles crianças, filhotes, fêmeas, mulheres, machos, homens. Queimam florestas, poluem o ar, as águas, enfim, a racionalidade humana parece-nos apenas existir para destruir. Claro que devemos nos lembrar que existem muitos seres humanos altruístas, mas eles apenas são necessários pelo poder de destruição que molda grande parte da humanidade.

Seja como for, uma das verdades que nos surge é o fato de que os animais são seres sencientes, capazes de perceberem sensações de prazer e de dor, sendo assim como seres racionais, devemos deixar de matá-los não apenas porque desejamos sobreviver, mas por respeito a eles, respeitando os direitos que eles realmente possuem - esse o passo mais difícil para os antropocêntricos-. Essa primeira revelação nos mostra que ao contrário dos mecaniscistas, hoje sabemos que os animais possuem uma sensibilidade tal como a nossa e isso não se trata de antropomorfismo, mas de uma realidade científica acatada até mesmo pelos vivisseccionistas, que para escapar dessa “aporia” decidiram, ao utilizarem suas cobaias, fazer uso de anestésicos para que elas não sentissem dor, ignorando ainda o fato desses animais não-humanos possuírem direitos a vida e a liberdade simplesmente por existirem, não pela razão ou pela inteligência ou ainda por sua sensibilidade, mas pelo fato de dividirem a mesma terra conosco e que, porque nós “seres racionais” lhes devemos a tutela de nossa ética e de nossa moral, pois dentro de seu campo de inteligência cada um deles, a seu modo, desenvolve o raciocínio para suas necessidades básicas

Outra verdade que nos surge é a de que os animais não-humanos não nasceram para nos servir, nem são inferiores , pesquisas demonstram que possuem memória, que possuem uma linguagem própria, alguns se chamam por nomes, muitos fabricam ferramentas e outros conseguem aprender a linguagem dos sinais como Koko (gorila) e Washoe[18](chimpanzé). Mesmo que não houvesse provas de sua inteligência, isso jamais nos daria o direito de dispor de seus corpos.

“Quando se lida com o sofrimento dos animais há tradições que devem ser ultrapassadas” (David Favre,advogado e professor)

Tanto o antropocentrismo como essa ideia de antropomorfismo devem desaparecer, os animais merecem respeito, esse é o fato primordial. Não importa se raciocinam, se possuem memória, nós como seres racionais temos a obrigação moral de eliminar o sofrimento e não de criar o sofrimento: fazer padecer, encarcerar, é algo que não condiz com a razão. Realizar o dever pelo dever é assumir-se como ser terreno, co-habitante desse planeta, dotado de razão para favorecer os mais fracos, para buscar o bem sem causar o mal, é lutar pelo retorno a Natureza , onde o que é bom para um, será bom para todos.


A educação para o silêncio


O que presenciamos hoje dentro de muitas universidades é o condicionamento de professores e alunos perante a ignorância em relação ao sofrimento animal. Comer animais faz parte da vida, da cadeia alimentar, dos costumes e das tradições de nossos antepassados, coisificar os animais igualmente faz parte de alguns conceitos filosóficos com os quais muitos não desejam entrar em atrito, e não entram. Há um livro do professor João Epifânio Regis que possui um título muito instigador que se chama “Vozes do Silêncio”, sobre a experimentação animal e o silêncio que alunos e professores guardam a respeito disso. Aqui nos caberia bem chamar de “Filosofia antropocêntrica, a educação para o silêncio”, já que seguimos os mesmos parâmetros antropocêntricos de nossos colegas vivisseccionistas, embora não utilizemos animais em aulas práticas no campus universitário, nós fazemos igualmente uso de suas vidas no que nos acostumamos a chamar de “nosso benefício”. Fazemos isso em total silêncio ético e moral, crentes de que matar seja algo realmente natural, e muitas vezes os devoramos enquanto nosso pensamento digere conceitos filosóficos como alteridade, totalidade, oprimidos, vítimas, meio ambiente, solidariedade , ética......

Não vemos a ligação entre suas mortes e esses conceitos pelos quais queremos nos nortear, se o vemos, conseguimos manter silêncio sobre isso também, como se fosse heresia falar sobre Direito Animal ou respeito as suas vidas em sala de aula. E continuamos impondo e aceitando pensamentos ultrapassados somente porque se adequam melhor aos nossos medos e nossa minoridade. Que imobilidade intelectual nos prende a isso? Por que essa nossa omissão diante da morte de animais não-humanos e nossa resistência em questionar por que ainda acreditamos ser esse assassínio, uma coisa natural? Por que não questionarmos para descobrirmos muitas das “verdades”[19] que nos ficam escondidas? Porque sabemos que descobrindo uma verdade sobre a morte desses seres não poderemos mais permanecer indiferentes a ela. A negação da Alteridade para com o Outro, mesmo que esse Outro seja um animal não-humano é o que nos coloca em contradição com a ética que buscamos e essa ética é que ameaça o nosso futuro e o futuro dos demais seres da criação. Diante disso, o silêncio não é mais possível, é preciso assumir uma posição frente ao sofrimento que causamos aos animais não-humanos, paralelamente a degradação que causamos ao Meio Ambiente, o que faz aumentar também o número de vítimas humanas oprimidas no planeta. Esse é o verdadeiro ciclo de nossa imoralidade diante do silêncio frente ao sofrimento animal. Esse é o caminho que o nosso bife de cada dia realiza, derrubando as árvores que plantamos, desperdiçando a água que economizamos, tirando o alimento da boca das vítimas excluídas e oprimidas que “nossas” teses e dissertações tanto buscam auxiliar. Mas silenciamos e a questão é: Até quando silenciaremos? Até quando não haja mais vítimas para salvar, até que não haja mais terras para defender, até que nossas vozes não passem de meras lembranças de uma humanidade que desdenhou de si mesma ao se calar diante de suas atrocidades? O certo é que não seremos sequer lembranças quando formos finalmente, vencidos por nosso próprio egoísmo. 



Mas qual o papel da Filosofia ? 



Hoje sabemos que a Filosofia cumpre o papel que o homem a obrigou a cumprir: preservar o antropocentrismo ignorando tudo aquilo que possa despertar os alunos para a preservação da vida. A grande maioria dos professores segue obediente ao sistema de ensino da sociedade, também moldada nos pilares antropocêntricos, ou seja, dentro da educação atual os Direitos  Animais não possuem seu espaço, pois muitos professores não passam de meros reprodutores das ideias filosóficas, aqueles que se arriscarem fora dessa imposição sabem que serão marginalizados pelo próprio sistema educacional antropocêntrico. Talvez pela falta de produção de novas ideias filosóficas que visem o bem do Planeta como um todo, é que estamos vivendo desses paliativos que parecem agravar ainda mais nossa situação de seres racionais afeitos a irracionalidade. O antropocentrismo vem a tantos séculos dominando a humanidade, que se torna uma tarefa quase heroica, revolver as mentes obscurecidas por esse véu violento e tirânico. Acostumamo-nos a ver os não-humanos como meras mercadorias que nem sentimos a diferença entre o bife e um boi ainda vivo[20]. Esse trabalho filosófico[21] visa exatamente romper essa invisibilidade do sofrimento animal e mostrar que nenhuma ética ou qualquer vida harmoniosa, será possível sem que se incluam os animais não-humanos em nossas relações éticas e morais, a partir do respeito e da alteridade para com eles. Independente do que digam as grandes filosofias ainda acorrentadas pelo antropocentrismo , a Libertação Animal vai ocorrer e, dependendo do trabalho que fizermos hoje, ela pode ocorrer mais cedo ou mais tarde, mas é inegável que irá acontecer. É o thaumazein[22] nos forçando a questionar , indo buscar na skepisis uma forma de mostrar que não estamos sós nesse planeta, que é preciso coexistir, é a Filosofia voltando ao seu estado natural de instigar o pensamento a buscar os “por quês” e as “verdades” que nos ficaram ocultas, de abrir portas para que a construção da ética humana se torne possível por aqueles que realmente desejam ir além do pensamento.

A filosofia parece ter se tornado juíza do mundo moral, revestindo seu discurso com uma capa de sobriedade lógico-formalista, o verniz do mundo contemporâneo, como balões que flutuam e são vistosos, mas sem relação com a realidade[23].

Hoje, aquele filósofo ou futuro filósofo que se diz preocupado com o mundo, não pode vê-lo apenas como uma faixa de terra destinada à humanidade, excluindo todos os demais seres que existem. É impossível falar de libertação, de retorno a consciência da Natureza se não se incluírem nesses sistemas o direito dos seres vivos. É impossível, no século no qual nos encontramos, falarmos que Descartes foi um grande gênio filosófico e continuarmos ocultando todos os erros que ele cometeu principalmente em relação aos animais[24]. Ou exaltarmos qualquer outro filósofo que não inclui no conceito “Ética”, todas as vidas que habitam esse planeta: “porque na terra não habitam apenas os seres humanos” (L.Boff). Se o fizermos estaremos caindo na mesma armadilha que Onfray disse que a Historia da Filosofia nos armou, ou seja, permaneceremos acreditando em muitas mentiras somente porque nos é mais cômodo. A Filosofia é questionadora do mundo.

Não haverá qualquer perspectiva de mudança se não começarmos a rever a Filosofia agora: ou se ensina a Filosofia como um todo, intelectual e prático[25], ou ela vai permanecer acorrentada num antropocentrismo que a desmerece como aquela que busca pelo conhecimento. Não adianta falarmos sobre Foucault e sua "Microfísica do Poder", se permanecermos dóceis a um sistema que mutila animais com nosso consentimento. De nada nos valerá conhecer o Mito da Caverna se não o aplicarmos ao nosso dia a dia, saindo da nossa passividade imoral em relação ao sofrimento animal. A Filosofia precisa libertar-se para a partir daí poder “libertar” outras mentes e outros corpos. Ela necessita sair da reprodução intelectual para o concreto, onde os problemas se avolumam violentamente. O que importa é mudar o rumo de nossa evolução, hoje calcada na morte dos não-humanos para seguirmos uma evolução baseada na vida, e não há outra forma a não ser através da educação, sobretudo dentro da própria Filosofia que tem como função questionar a realidade, rompendo assim as barreiras da alienação e das ideologias culturais. 



Caminhos: A Filosofia longe da senciência?

Não. Muitos autores já falam em senciência e muitos outros em biocentrismo, o problema reside exatamente no que é ou não passado aos alunos nos centros Universitários. A base educacional é a mesma, seja no ensino médio, seja nas universidades: Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, , Heiddeger, Wittgenstein, , não vamos citar todos, mas são todos nomes conhecidos dentro da História da Filosofia , outros como Peter Singer, Tom Regam, Sonia T. Felipe, Humphry Primatt, Andrew Linzey, Richard Ryder, Paul Taylor , Kenneth Goodpaster ou pensadores como John Maxwell Coetzee entre outros, normalmente não são apresentados aos alunos. Será que não há importância em seus escritos ou será porque a base ética desses autores já descartou o antropocentrismo que marca nossa atual Filosofia acadêmica? Os livros desses autores possuem uma significância enorme para a Libertação Animal e podemos compreender esse “Animal”, não somente em referência aos animais não-humanos, mas também a nós, animais humanos, filósofos, pensadores, escritores, todos pertencentes à mesma classe senciente, mesmo assim grande parte da Filosofia assiste a matança dos animais em completa submissão.

E por que alguns filósofos ainda permanecem apartados desse mundo de dor? Porque tanto culturalmente quanto tradicionalmente, nos “acostumamos” a ver quem fala sobre animais como uma pessoa fraca, digna de sátiras. Já falamos aqui que durante muitos anos a Filosofia reinou absoluta no “mundo intelectual”, achando alguns que resolveriam o problema da humanidade, sem nunca olharem para o mundo como um sistema fechado, assim como é o nosso Planeta, com todos os seres vivos que coexistem nele. Se pararmos para lembrar o que ocorreu na História da Filosofia, vamos nos recordar que fomos tirados da Natureza e hoje ainda nos recusamos a olhá-la com respeito, depois veremos que a razão deveria apenas ser guiada pela fé e milhares de pessoas foram visitar as chamas da inquisição. A Alteridade para com os demais seres jamais existirá dentro do campo antropocêntrico, o face a face somente se tornará concreto quando a “Filosofia”[26] visitar um abatedouro e ver que outros seres sencientes necessitam de seu trabalho na busca pela verdade.

Essa busca pelo conhecimento não pode mais ficar restrita somente aos bancos acadêmicos, enquanto o mundo exterior a ele sofre as consequências de uma intelectualidade calcada na questão de ser humano para o ser humano. É preciso a capacidade de mudar, de dirigir o olhar as nossas ações malfazejas, pois nos parece que o sofrimento animal ainda não adentrou nas salas de aula como demonstração de nossas ações imorais e antiéticas. É preciso uma Filosofia engajada com a vida, una com o Planeta e com seus filhos, atenta ao mundo real que a cerca para agir[27] sobre ele mais efetivamente. Não levará muito tempo então, e não conseguiremos mais diferenciar animais humanos de animais não–humanos de nossos sistemas filosóficos; quando falarmos em alteridade será para o bem coletivo como um todo: animais humanos, não-humanos, plantas ,ou seja, todo o Planeta . Não separaremos por racionalidade, por raça, por senciência ou por espécie, seremos um todo, guiados por uma verdadeira Filosofia de Libertação da vida e pela vida.

Não somos apanhados filosóficos, somos seres materiais que violam a vida de outros seres materiais, precisamos enxergá-los para podermos nos enxergar como seres distante da ética que tanto estudamos, de forma a refletirmos sobre nossas palavras e sobre nossas ações. Dizer que os animais não são racionais não deve implicar em uma violência contra eles, pois estaremos violentando a nós mesmos, cabe ao maior ensinar o menor. O pensamento filosófico deve debruçar-se sobre si mesmo, rever suas ações e livrar-se dessa “capa de sobriedade” que nada agrega em benefício daqueles que realmente sofrem : Os animais não-humanos.




Provocação Filosófica.


O outro é determinante. Sem passar pelo outro

(que posso ser eu mesmo), toda ética é antiética.

Leonardo Boff



Como mudar então os rumos dessa Filosofia?


Eis aqui um dos maiores problemas filosóficos que podemos descrever: como mudar algo que está tão enraizado na mente filosófica, algo do qual as pessoas naturalmente se esquivam e ridicularizam, embora estejam elas mesmas, construindo suas teses na crença de que aquilo lhes será: ou bom para o currículo ou bom para a sociedade “humana”? Como fazer enxergarem além do que lhes foi ensinado através da microfísica do poder social que as moldou, como livrá-las desse caráter natural de achar que os animais não-humanos podem ser mortos? Como fazê-las ver que é através desse pensamento “natural” que devastam o Planeta onde vivem, forçando-as a criar sistemas filosóficos que as protejam delas mesmas? Seria mesmo possível cometermos a heresia de tentar ensinar aqueles que nos ensinaram?

Podemos nos livrar do peso da culpa e jogá-la sobre os ombros de Immanuel Kant ao dizer que o “Esclarecimento” é a saída do homem de sua minoridade para sua maioridade e que depende isso, única e exclusivamente dele próprio. Ou seja, depende de cada um buscar a verdade, é inegável o que fazemos aos animais não-humanos, o problema é que não desejamos nos ver como somos : algozes. A Filosofia por si só não irá mudar, depende de cada um fazer a sua parte. Assumir seu papel de verdugo diante do Planeta é talvez o mais significativo dos atos a ser feito, refletir sobre o que realmente ocorre à eles, a nós mesmos e ao Planeta. Pois, ao mesmo tempo em que lutamos pelo Meio Ambiente o destruímos permitindo que sejam derrubadas florestas para a criação de gado , para a plantação de soja que alimentará o gado estrangeiro, permitimos que a terra, os rios e os lagos sejam poluídos com os dejetos de milhões de animais que são mortos todos os anos devido a nossa cegueira intelectual, enquanto plantamos arvorezinhas nos achando éticos e responsáveis. Precisamos sair dessa minoridade antropocêntrica para ascender à verdadeira razão de estarmos no mundo, isso é o que auxiliará a tornar o conceito de ética realmente possível: “a ética surge quando o outro emerge diante de nós”(L.Boff). Precisamos fazer o sofrimento animal emergir diante de nós para podermos mudar os rumos da Filosofia e como nos disse Kant, podemos fazer uso da mais simples das Liberdades: a Liberdade de pensar.

Não vamos relacionar o sofrimento pelo qual passam os animais desde seu nascimento até o momento do abate, o desejo é fazer uma simples conexão entre seu jantar e aquele animal a ser abatido. Propor que a senciência seja levada em conta nesse instante aos nos lembrarmos que os cães adoram um afago, que os gatos adoram brincar, que sentem afeto, alegria e amor, sinais de senciência e que, se são capazes de sentir prazer , devemos levar em contra que poderão por outro lado, sentir sensações opostas a estas, sensações pelas quais nós somos os únicos responsáveis. A questão agora é: quais sensações desejamos proporcionar para seres que estão em relação conosco e com o Planeta onde vivemos: sensações de prazer ou de dor e, sabendo disso poderemos realmente permanecer como somos? Podemos nos achar livres-pensadores, mas jamais permitir que nossas ações compactuem com o mal, pois servir não é próprio dos seres inferiores.

O servir não é próprio dos seres inferiores.Deus, que nos dá o fruto e a luz, serve.Poderia chamar-se: O Servidor![...] onde houver um erro para corrigir, corrige-o tu com bondade; onde surgir uma dor a mitigar, mitiga-a tu com solicitude;[...] Sê tu, idealista, sê tu quem serve!(Goethe)


Que seja a razão então que sirva a Natureza e a todos os seres, que corrija os erros e mitigue a dor e tome para si a árdua tarefa de desenvolver nos animais humanos o respeito pelas criaturas da terra, sejamos nós, os racionais, aqueles que servem e servindo, que realizem o sonho ético da harmonia planetária.

Será que nossa “humildade” nos permitirá servir? 


Conclusão : Um Ensaio Filosófico


Quando eu era criança, li um velho conto judaico que não pude compreender.Ele não dizia mais do que isso: “ Fora dos portões de Roma está sentado um mendigo leproso, esperando.Ele é o Messias” Então me dirigi a um ancião, a quem perguntei: “O que ele está esperando?” E recebi uma resposta que então não consegui entender, somente muito mais tarde.Ele me disse: “ Está esperando você!”[28] .


O que somos nós perante o Universo? Nada mais que apenas mais um Planeta em meio ao infinito, porém rompemos a linha tênue que nos separava de nós mesmos, nos afastamos da nossa própria imagem que era a Natureza, para nos tornamos algo que não podemos classificar como realmente “humano”! Humano para alguns possui o conceito de bondade e indulgencia, para outros se restringe apenas a dor, medo e violência, esses os seres mais renegados do Planeta pela espécie que se coloca como dominante. Ao falarmos em libertação, alteridade, consciência, entre tantos outros conceitos, devemos nos lembrar que não habitamos sozinhos esse pedaço de terra, mas o dividimos com bilhões de outros seres. Nossa visão de superioridade nos arrastou para um estágio onde falamos e não vemos. Sabemos que milhões de pessoas morrem todos os anos por falta de alimentos - segundo cálculos da Fao cerca de 800 milhões de pessoas - mas ainda somos uma sociedade que se move somente para o “Ter” e não para o “Ser”, que faz muitas coisas por medo e não por dever .

Assim com o trecho de Martin Buber, a Libertação Animal está do lado de fora do antropocentrismo esperando. Esperando que mais pessoas tomem coragem, que mais pessoas busquem o esclarecimento. Os animais não-humanos não podem mais permanecer apenas esperando, é preciso que a “Filosofia”[29] lhes dê guarida. Diante disso não precisamos esperar que alguém nos responda pelo “quê” a Libertação Animal está esperando, pois sabemos: Ela está esperando Você!





Notas




[17]Antropomorfismo do grego, anthropos=homem + morphe= forma. Atribuição de qualidades ou formas humanas a Deus, a divindades ,a animais e objetos, devemos levar em consideração outra palavra a Antropopatia do grego anthropos=homem+ pathos=sofrimento. Atribuição de sentimentos humanos a seres não humanos, as coisas, fenômenos da natureza,etc.(Arnaldo Schuler,Dicionário enciclopédico de teologia.)


[18]Ela também ensinou a outros chimpanzés a linguagem que aprendeu.


[19] Sabemos que existem inúmeras verdades, mas diante da morte só há uma: sofrimento. Chegando a essa, chegaremos a outras, e assim por diante, pois a cada porta que abrirmos, outros problemas surgirão e novas soluções necessitarão de nossa atenção.


[20] O animal abatido, fica totalmente invisível para quem aprecia o bife, a conexão se torna algo irrealizável, dentro dessa “cegueira” causada pelo antropocentrismo.


[21] Realizado no campo dos Direitos Animais.


[22] O espanto que nos leva em busca de respostas.


[23]Atanásio Mykonios - Para que serve a Filosofia num mundo marcado pela indiferença?


[24] No meio acadêmico e, embora alguns neguem, é fato que até pouco tempo o meio científico se utilizava do mecanicismo para realizar experimentos em animais, fato que só tem sido alterado com o trabalho daqueles que lutam pela Libertação Animal.


[25] Embora muitas correntes digam que não pode haver prática do pensamento filosófico, é ele quem estimula os homens a agirem, como exemplo, podemos citar o livro “Libertação Animal” de Peter Singer, que deu um surpreendente estimulo para que uma nova visão dos não-humanos fosse forjada e com isso, novas leis surgissem para protegê-los.


[26] O pensamento filosófico, o ato de questionar, de buscar conhecimentos novos.


[27] Questionar, instigar o pensamento.


[28] RobertoBartholo Jr,Martin Buber,presença palavra, pg 1.§1


[29] O questionamento que levará a humanidade a ação.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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Simone Nardi

 

 


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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Filosofia e a Questão dos Direitos Animais (Estudo).Parte 1









INTRODUÇÃO



Por que preservar o Meio Ambiente? É preciso preservar o meio ambiente porque na terra não habitam apenas os seres humanos. Nela vivem, desde microorganismos, vírus, bactérias, fungos, até os solos, rochas, as águas, a atmosfera, os vegetais e os animais. E todos desejam continuar existindo. [...]. Na verdade todos os seres vivem uns pelos outros, com os outros, e para os outros. 

Leonardo Boff



“Na verdade todos os seres vivem uns pelos outros, com os outros, e para os outros”, nessa única frase podemos colocar a ideia de como deveríamos agir na busca pela harmonia planetária: Coexistir. Somos uma espécie que não se importa com os demais habitantes desse planeta, como se não estivéssemos entrelaçados com suas vidas e com o futuro que construímos tanto para nós quanto para eles. No entanto, irracionalmente nós separamos o que desejamos salvar daquilo com o qual não nos importamos muito. Plantamos milhões de árvores como se fossem elas, a única solução para “nossos” problemas e as plantamos na exata medida com que matamos animais para nos alimentar. Fechamos as águas de nossas torneiras, deixamos de lavar a calçada ou de dar descarga nos banheiros, na exata medida em que abrimos uma torneira gigante que ocultamos de nossos olhos, e que consome uma quantidade absurda de água só para que tenhamos o hábito cruel do bife de cada dia. É como se o Meio Ambiente existisse apenas “dentro de mim” e não “fora de mim”, como se apenas as atitudes que a mídia me pede fossem as barreiras que poderiam conter o aquecimento do Planeta. Nesse Meio Ambiente fajuto, os bois, os suínos, as galinhas e tantos outros animais que permitimos que sejam criados para a morte, ficam de fora, bem como cães e gatos que abandonamos diariamente a própria sorte. A árvore passa - ainda que considerada nos dias de hoje como uma espécie desprovida de senciência - a ser mais importante do que o sofrimento de um animal que já é aceito pela ciência humana como um ser senciente- mas a árvore não é aceita porque gostamos dela, nós a aceitamos e a respeitamos somente porque vemos nela uma utilidade: a de que, através dela, talvez possamos permanecer vivos num planeta que estamos destruindo com nossas ações diárias.

Infelizmente não queremos enxergar que remendamos o Planeta ao invés de pararmos de perfurá-lo, acreditando que apenas fechando as torneiras ou plantando árvores sanaremos o crime que cometemos contra nossa casa planetária e contra todos os seus filhos.

Uma mentira contada durante muito tempo acaba se tornando uma verdade: E o amor a sabedoria?

Filosofia, palavra de origem grega que significa amor a sabedoria; amar a sabedoria nos faz caminhar rumo ao conhecimento na busca de nossa própria evolução, ela vem da reflexão, da busca pelas questões não esclarecidas no campo da existência humana. A Grécia ainda hoje é colocada como o berço da Filosofia, mas desde seu surgimento o ser humano já buscava por esse conhecer, por esse “que” a mais que pode nos transformar. Hoje vemos com novos olhos o que antes nem mesmo os sophos conseguiriam conceber, hoje temos acesso ao conhecimento de forma mais ampla e rápida do que qualquer sophos um dia poderia imaginar, no entanto, nos parece que hoje não buscamos conhecer.

Os sophos buscavam pela resposta da vida, pelas questões do Universo e da Natureza[1]: o alicerce para essa busca era a razão e a ciência da época. Tales buscava na água o princípio da vida, Anaximandro no ápeiron, Demócrito já nos dizia que o átomo existia e a ciência evidenciou isso há poucos anos. Foram-se os sophos, nasceram os filósofos e a busca pelo conhecimento prosseguiu. Criaram-se sistemas políticos, a democracia, o pensamento expandiu-se nos ensinamentos de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, entre tantos outros. Os sistemas e os métodos se espalharam demonstrando de que forma poderíamos obter o conhecimento das verdades e, no entanto ainda hoje, parece que freamos esse esforço na busca por essa verdade.

Porém, foi nesse imenso campo filosófico da antiguidade que o ser humano foi retirado da Natureza da qual fazia parte, para se tornar o soberano e talvez nas mãos de Sócrates é que o antropocentrismo, hoje tão enraizado em todas as ciências humanas se fortaleceu. O ser humano passou da unidade para a separatividade, ocupando assim o lugar do Universo e da Natureza. Segundo os filósofos, por ser racional, por poder comunicar-se, é que o ser humano deveria ocupar esse lugar privilegiado, deixando abaixo os demais seres da criação e que dividem com ele esse pequeno espaço chamado Terra; desse ponto para a dominação violenta e escravocrata em relação aos animais não-humanos, não foi nada difícil: Os seres humanos vivem para reinar, os animais para servir. A mentira virando verdade.

Essa a “Arte da Guerra” da qual nos fala Michel Onfray, uma estratégia muito bem elaborada contra os animais não-humanos e a favor dos animais humanos, sem que fossem pensadas as consequências futuras desse ato. Foram de certa forma, calados e silenciados aqueles que ousavam falar a favor dos animais não-humanos, pensamentos que visitassem esse campo igualmente foram sendo “apagados”, ignorados dentro dos trabalhos filosóficos, de modo a não colocar em perigo o antropocentrismo. E como Onfray nos coloca:

Um erro ou uma distorção da realidade repetido dez vezes, cem vezes, mil vezes, torna-se verdade (ainda mais quando sua proliferação emana dos grandes , dos poderosos, dos oficiais, das instituições), esse tipo de mentira piedoso passa por certeza definitiva.[2]


Mas vivemos separados da Natureza, e sabemos que os estóicos passavam um conceito diferente no qual não havia essa separação entre homens e Natureza , e esquecemos de debater sobre Sêneca, Porfírio e tantos outros que ousaram falar a favor dos animais não-humanos pois, hoje nos parece que essa defesa dos animais não-humanos é uma parte da filosofia que nos traz um sentimento de “enfraquecimento filosófico”, bem como esclarece Onfray ao dizer que a História da Filosofia conta apenas a história dos vencedores e não a dos vencidos, ou seja, ela conta a história pautada no antropocentrismo, não na igualdade de direito e justiça entre os habitantes do Planeta, sejam eles humanos ou não-humanos.

E o antropocentrismo foi se fortalecendo e deparou-se talvez com um de seus maiores e mais fortes pilares de sustentação: A Religião. Foi ela quem disse aos seres humanos que os animais foram criados por Deus para servirem ao “homem”, foi ela quem incutiu ainda mais essa separatividade entre seres que deveriam viver em harmonia, que deveriam usar sua “racionalidade” para realmente praticar o Bem, jamais para punir, maltratar ou violentar outro ser, assim como vem sendo feito com os animais não-humanos.

Sabemos bem o que ocorreu desde então: os animais não-humanos foram transformados em coisas mecânicas por Descartes[3] e seus seguidores, porque raciocinar parece –infelizmente até hoje – dentro da Filosofia, o único ato realmente importante e que deva ser levado em conta, os demais como, por exemplo, a senciência, permanecem escondidos da História da Filosofia. E vemos claramente essa separação do que se deve ou não se deve levar em conta ao lembrarmos que muitos autores, comumente estudados nas universidades não têm determinados assuntos[4] colocados em pauta.

E surgiu o Iluminismo que visava realmente libertar o homem da escuridão, e mais uma vez ficamos no campo racional, intelectual, sem nos expandirmos muito para a Natureza, sabemos apenas que Voltaire era crítico ferrenho de Descartes, mas acabamos por desconhecer muitas das críticas, sobretudo aquelas voltadas diretamente sobre as ideias mecanicistas de Descartes em relação aos animais. Isso não parece ser algo importante dentro do campo filosófico e não o é exatamente porque o antropocentrismo que toma grande parte da Filosofia não o permite. É algo perturbador ver que não se pode tocar nesse assunto, e agir como se nem ao menos existisse essa separação, tal a naturalidade com que é aceita por todos. Jean- Jacques Rousseau parece ter escrito o “Contrato Social” apenas para os seres humanos, para que eles vivessem em paz entre eles, dentro de sua sociedade fechada e apartada da Natureza, mas se relermos o Contrato Social livres do antropocentrismo tradicional ao qual somos mecanicamente presos, veremos que não se trata apenas disso. Ele igualmente critica a visão cartesiana e a separatividade. Então vamos supor agora que estamos todos livres de nosso antropocentrismo cultural para seguirmos as palavras de um filósofo; despidos do ego que nos reveste poderemos ver que a Filosofia, em sua essência, já nos dizia que aos animais não-humanos também devem ser fornecidos os mesmos direitos inalienáveis que a nós, animais humanos. Rosseau mesmo nos fala sobre o supremo bem, a Liberdade:

“Todos nascem livres; O “ser vivente[5]” nasceu livre, e por toda parte geme agrilhoado; o que julga ser senhor dos demais, é de todos o maior escravo. Donde veio tal mudança? Quem a legitima?”[6]

Sim, quem legitima os crimes que cometemos contra os animais não-humanos?

Assim como outros, Montaigne também falava sobre o respeito à Natureza e a tudo que existia dentro dela, mas nos centramos apenas no que ele dizia em respeito à sociedade e aos humanos que nela vivem. E insistimos nisso sem buscar por nosso esclarecimento, sem buscar por uma ética pautada na Natureza, porque na verdade buscamos ignorar que nós somos a Natureza e que ela é na verdade, nossa imagem. Podemos notar que senão toda, ao menos grande parte da Filosofia é feita somente para o ser humano, numa busca ética que jamais irá ocorrer enquanto ele não se enxergar como mais um ser entre todos, dotado de raciocínio para melhorar, não para dominar e subjugar. É aí que se encontra o conhecimento pelo qual tanto se buscou: em saber “reinar[7]” com bondade, igualdade e justiça, não existe conhecimento dentro de um campo onde se domina outros corpos com violência, usando a razão como desculpa para as atrocidades cometidas, isso é tirania. Matar o amor pela sabedoria em busca do bem próprio é tirania, é abusar de um poder através da violência, é desdenhar da razão que se possui para igualar-se a bestas cruéis que matam somente por se acharem superior as demais, nem os animais o fazem, mas os seres humanos o conseguem com cruel naturalidade[8]. Nessa visão de torpeza, quem nos parece agora mais racional?

O problema é que somos surdos e cegos aos apelos da verdadeira Filosofia, aquela que realmente busca pelo saber, pois traz formação e não apenas informação, traz equilíbrio, pois o equilíbrio é que harmoniza os seres. No fundo, lá escondido, podemos sentir que nós tiranizamos a Filosofia, nós furtamos dela a possibilidade de dar a humanidade a chance de melhorar-se juntamente com a vida de todos os seres que fazem parte desse planeta. Hoje não fazemos o Dever pelo Dever, nós fazemos o que achamos que é melhor para nós, individualmente, sem nos preocuparmos com o que ocorrerá depois. Nós matamos os animais indiscriminadamente porque nos outorgamos esse direito, não porque faz parte do Universo ou na Natureza. Nós devastamos florestas porque nos achamos senhores do Planeta, no entanto ele, como “organismo vivo”[9], começa agora a nos repelir.Mas não fazemos o que a Filosofia nos pede: Questionar os por quês!

Será então que somos mesmo os seres, os entes, as criaturas reinantes e dominadoras que sempre nos achamos? Por quanto tempo ainda diremos mentiras para que se tornem as “nossas” verdades?


O que temos a ver com tudo isso? O Dever por medo.



Essa é a pergunta chave que quase ninguém se faz; O que temos a ver com isso, com a Natureza, com os animais não-humanos, afinal nós somos os seres dominadores dessa terra? A exploração incontrolável do ser humano pela Natureza está tornando o planeta quase inabitável, há que se resolver esse caos ou os seres dominantes irão perecer, mas a Terra na visão míope da humanidade, precisa dos seres vivos para sobreviver. Será? Essa nossa confusa visão acerca das coisas que nos rodeiam é nossa vaidade e será, possivelmente, nossa própria destruição. Somos como Narciso[10], que contemplando sua própria beleza caiu no lago e afogou-se. Desdenhamos daquelas criaturas que “achamos”, não se comunicam, e desdenhamos de nós mesmos quando nos separamos daquilo que nos fez: a Natureza. Mais uma vez a separatividade nos afastando da Unidade[11]. Hoje a humanidade se sente como uma vítima planetária, as águas invadindo as terras, os tornados e furacões cada vez mais fortes, as tempestades que levam com elas milhares de vidas humanas , mesmo assim nós não contamos os animais não-humanos, vítimas nossas e de nossas ações para com o Planeta , porque em nossa mentalidade ainda infantil somente os seres humanos são importantes, porque eles pensam que “pensam” que são as vítimas.

Tudo o que fazemos hoje não fazemos para tentar salvar o “Planeta” , os animais não-humanos ou as plantas, tudo o que fazemos é para “nos” salvar, para que continuemos a existir, não nos importa se o que fazemos hoje é certo ou errado, se achamos que temos uma chance de sobreviver, com certeza rumaremos naquela direção, desequilibremos ou não o Meio Ambiente mais adiante. Hoje acreditamos que plantar árvores é a solução para o Aquecimento Global. E milhares de árvores são plantadas diariamente, no entanto nos esquecemos que milhares de vidas de animais não-humanos são tiradas também diariamente e que suas mortes contribuem para a degradação desse Planeta[12]. Conseguimos com muita naturalidade plantar uma árvore que “acreditamos”, “um dia” poderá nos trazer algum benefício, ao passo que não sentimos absolutamente nada ao ver a carcaça de um animal senciente dependurada num açougue. Regamos a árvore com carinho acreditando que fizemos nossa parte ao plantá-la, e fechamos nossos olhos para o assassínio que cometemos com os animais não-humanos como se isso não fosse importante para o nosso bem e para o bem do Planeta. Sentimo-nos isentos dessa dor, quando na verdade pagamos para que ela prossiga silenciosa, sem querer acreditar que somos os verdugos mais cruéis de Gaia e de seus demais filhos. Somos “bons”, afinal plantamos milhares de árvores por ano,só nos esquecemos que não fazemos o Dever por Dever e sim por medo, por medo de desaparecermos e descobrirmos que o Planeta pode viver em harmonia sem a presença racional da humanidade. Se nos fizessem uma proposta para que parássemos de comer carne em troca de riquezas ou de qualquer coisa que nos fosse proveitosa, com certeza a grande maioria aceitaria, pois o faria somente em seu beneficio. Nos surge agora uma importante questão e que vai levar as pessoas a refletirem melhor, mesmo as mais antropocêntricas:

De onde vieram tantos problemas com o Meio Ambiente? E como resolvê-los para que permaneçamos vivos e reinantes?

Nós somos o problema. Nossa mudança moral é que vai frear a nossa destruição. Quanto mais antropocêntrico o ser humano se tornar, mas vai destruir a si mesmo, pois assim como Narciso, só concebe a si como o ser mais belo e importante, devastando o alicerce que lhe permite a vida: a Terra. É hipocrisia plantar milhões de árvores e continuar a poluir o solo e as águas com os restos de animais não-humanos que são mortos por um paladar desnecessário. É ridículo deixarmos de dar a descarga num banheiro enquanto gastamos milhões de litros de água para termos em nossa mesa um único bife. Se apenas pensar nos Direitos Animais não é suficiente para que alguns seres humanos pensem neles - nos animais não-humanos - , que pensem então no que fazem para si mesmos com sua alimentação violenta e degradante, pois ao submeter animais sencientes a exploração, ao medo e a dor apenas porque ainda são incapazes de se sentirem como parte da Natureza, estão destruindo a si mesmos sem medirem as consequências. O medo de morrer força a humanidade a fazer o dever por medo, e ela o faz, talvez até aprenderem a serem bons e justos com os demais seres que os rodeiam naturalmente fazendo, a partir desse momento, o Dever pelo Dever.

Nós somos os causadores das inúmeras doenças[13] e ainda assim culpamos os animais não-humanos, ainda por cima os usamos como cobaias para a criação de novas vacinas para doenças que poderíamos ter evitado que surgissem, meros paliativos para nossa enorme insensatez diante da Natureza, assim como plantar árvores ou apenas economizar água ,não buscamos a raiz do problema, ou seja, nossas ações. Não conseguimos nos ver e nem ver os animais não-humanos como seres incluídos nesse Meio Ambiente que desrespeitamos. O Meio Ambiente atual , para grande parte da humanidade, tem o significado de árvores, florestas e multas. Alguns dizem se preocupar com a água, porém nada mais fazem do que o dever pelo medo: e se ela escassear? As grandes corporações evitam poluir as águas, não por respeito aos seres vivos que dependem dela, mas para evitar as pesadas multas. A taxa de poluição do solo e do ar é controlada para que não só não ocorra uma multa, mas para que não prejudique a qualidade de vida humana, não em respeito à Natureza como sujeito de direito[14], mas para que a vida humana possa permanecer existindo nela, embora se ache fora dela. De um lado plantamos árvores para nos proteger das "agressões" do Planeta, de outro devastamos grandes áreas para a pecuária e o cultivo de grãos que servirá de alimento ao gado. E alguns lutam para que a fome no mundo se acabe, sem se absterem do bife de cada dia. Não vemos culpa em nossas ações. Ignoramos que matamos milhões de seres vivos e que com isso, desrespeitamos a nós mesmos nos colocando como seres embrutecidos e bestiais. 

Confinamos os frangos em espaços minúsculos, o mesmo fazemos com suínos, caprinos ou bovinos, porque como seres “racionais” temos o “direito” de atormentar física e moralmente aqueles que colocamos abaixo de nossa razão. Devastamos as matas e culpamos um mísero mosquito por nossas doenças e ainda por cima matamos nossos fiéis amigos para que não nos passem uma doença que criamos para eles[15], só que não nos lembramos que ao desmatarmos determinadas áreas para fazermos nossas casas, destruímos um ecossistema[16] que era equilibrado, onde o tal “mosquito vilão” tinha seu predador natural e não se reproduzia além do permitido.

E como ensinar o ser humano a ter respeito pelos animais não-humanos e não mais fazer o dever pelo medo?

Essa é a questão sobre a qual a Filosofia precisa urgentemente se debruçar, para isso é necessário que a libertemos do nosso jugo antropocêntrico, que fez dela uma ciência antropocêntrica. A solução para todo esse caos seria a educação para a vida, a educação para a Natureza, englobando-se todos os seres existentes da Terra. A mudança, embora lenta, pois sabemos que os seres humanos são extremamente resistentes a tudo que lhes é novo e que possa gerar uma mudança, poderá acarretar benefícios não só aos animais não-humanos, mas a toda a humanidade . O primeiro passo é que a Filosofia continue a questionar o que fazemos com a Terra e com seus filhos para que a humanidade possa trabalhar essas questões e libertar-se aos poucos, de séculos de escravidão sob o jugo antropocêntrico , assim quando falarmos em vida ou em seres vivos, não se consiga mais pensar na separação que fazemos hoje entre animais humanos ou não-humanos, mas que gere um só pensamento: O ser vivente e que divide conosco esse Planeta e para com o qual devemos estender a nossa responsabilidade e a nossa ação moral, não mais por medo, mas pelo dever .





Notas




[1] Dentro desse texto, especificamente, quero propor a visão de Natureza como o Planeta em sua totalidade, com seus reinos distintos e muitas vezes marginalizados pelo ser humano, já o Universo pode ser compreendido como realmente é, o imenso Cosmos que cerca a Terra, tudo muito simples, nada filosoficamente incompreensível para aqueles que ainda desconhecem o incomensurável mundo dos conceitos filosóficos .


[2] Michel Onfray , A historiografia, uma arte da guerra, pg 15, § 2


[3] Ao separar, “racionalmente”,a alma do corpo, Descartes chegou a conclusão de que o pensamento(a razão),era a essência da alma, o que o levou a afirmar que : o que para ele não possuísse alma e linguagem inteligível, seria autômato , desprovido de qualquer senciência.


[4] Sobretudo aqueles em que se referem aos animais não-humanos.


[5] No original « todo homem nasce livre », grifo meu.


[6] Jean-Jacques Rousseau- Contrato Social- Livro I- pg 21-§4


[7] “Se”, e abrimos um parêntese aqui, “Se” o ser humano for o “Ser” que deve reinar por possuir maior capacidade de raciocínio, esse raciocínio não lhe confere o direito de se tornar tirano. O ser mais capaz dentre todos deve ser aquele que deve espelhar justiça, guiar-se por ela para harmonizar a todos. Esse seria o “homem de ouro “ em Platão, ele é feito de ouro e nada mais precisa buscar fora de si, é o guardião. Se, o ser humano for o “Ser de Ouro” no campo planetário, deve ele guiar os demais com justiça e igualdade, fazer o dever pelo dever, e não é isso o que vemos desde que surgiu nesse planeta.


[8] Embora o nome de Hitler seja sempre o primeiro a ser lembrado quando se fala em crimes contra a humanidade, ele não foi o criminoso que mais matou, segundo a História foram: Mao Tse-tung: 30 milhões, Joseph Stalin: 20 milhões , Adolf Hitler: 11 milhões segundo o site “Aventura na História”-. Essa cifra redobra quando mudamos de humanos para animais , fazendo um cálculo aproximado, os seres humanos matam entre 20 a 50 bilhões de animais por ano entre galinhas e frangos, patos, porcos, coelhos, perus, gansos, carneiros,ovelhas,cordeiros, cabras, bois, vacas, vitelos, roedores, pombos e outras aves, búfalos,cavalos,asnos,mulas, camelos e outros camelídeos, cães,gatos, baleias, golfinhos e uma infinidade de peixes e crustáceos, cometendo igualmente um crime não só contra a humanidade, mas contra todo o planeta Terra; rios, solos, água,etc, segundo o site Centro Vegetariano”.


[9] Segundo James Lovelock e Lynn Margulis, Gaia, a Terra, é um organismo vivo que se auto regula permitindo assim as condições que mantêm a vida dos seres que nela habitam, ou seja, não é o ser humano que faz Gaia existir, e sim Gaia que permite que o ser humano a habite. A Hipótese ou como ficou mais conhecida, a Teoria de Gaia, coloca que os acontecimentos atuais são na verdade uma reação desse superorganismo contra os vírus que a está destruindo, sendo necessária uma reflexão da humanidade sobre os males causados a Gaia.


[10]Na Mitologia, Narciso era filho de um deus com uma ninfa e segundo um advinho, o jovem viveria muito desde que não visse a própria imagem. Rapaz de extrema beleza e orgulho, um dia ao ver seu reflexo nas águas de um lago, apaixonou-se.Encantado com o que via, passou dias a admirar a própria imagem, sem beber ou comer, até seu corpo ir definhando. Alguns contam que atirou-se, o jovem, nas águas do lago afim de abraçar a imagem, e assim morreu afogado.


[11] A vida em harmonia com os demais reinos, para que seja harmoniosa também a nossa existência.


[12] O que mais podemos encontrar nos dias de hoje é a relação da pecuária industrial com o efeito estufa, os resultados demonstram ser ela, a pecuária, responsável por cerca de 18% do total das emissões de gases causadores do aquecimento global, maior que a poluição vinda dos meios de transporte 13%,e incluindo-se aí, o desmatamento, a contaminação da água, e o gasto excessivo desta, pela pecuária.(Informativo IEA-Aqualung)



[13] Gripe aviária, gripe suína H1N1, febre aftosa, o mal da vaca louca, entre tantas outras que conhecemos.


[14] Sujeito de direito é todos aquele que está apto a ser titular de direitos,a quem é consagrado a igualdade sem distinção formal, vetando assim a “distinção de qualquer natureza”, esse ponto de vista nos mostra que o homem não tem direito sobre a Natureza, sem sobre os seres que nela habitam.Hoje não se respeita a Natureza dela por ser plena em si, mas tenta-se respeitá-la para que a humanidade não saia prejudicada.


[15] Leishmaniose; Normalmente os animais soros-positivos para essa doença são exterminados, pois passam a ser considerados vetores, embora pessoas que tenham adquirido a mesma doença sejam igualmente vetores.


[16]A degradação do cerrado foi a principal causa do surgimento da febre amarela que infectou os bugios, o ser humano para tentar se proteger de uma doença que havia causado através desse desequilíbrio ecológico, contra atacou matando os bugios, como se fossem eles os culpados por espalhar a doença, alegando que os macacos estavam invadindo as áreas urbanas; infelizmente a racionalidade humana não questiona os motivos da “invasão”, nem se essa invasão ocorre ao contrário do que a mídia normalmente nos coloca. 




Simone Nardi

 

 


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