"Vi o solo semeado de rodas, de forcas, 
de patíbulos, de pelourinhos; vi esqueletos
horrendamente estendidos sobre rodas.
de patíbulos, de pelourinhos; vi esqueletos
horrendamente estendidos sobre rodas.
Van Meenen - Congresso penitenciário de Bruxelas, 1847
Vamos provando aos poucos como é possível, em muitos casos, 
estudarmos a Filosofia e encontrarmos dentro dela, escondido de olhos 
puramente antropocêntricos, caminhos que nos levem a uma ética de 
Libertação Animal. O que ocorre normalmente com as pessoas é que, como 
não estão totalmente ligadas ao Mundo e a Natureza, não conseguem fazer 
uma imagem clara das coisas. Para elas seria algo como "Pensar o 
inexistente". Sem essa ligação com as coisas da Natureza, com esse "além
 da vida" puramente humana, se torna realmente difícil tornar livre do 
antropocentrismo tantos os mestres quanto os alunos de Filosofia. 
Quantas vezes ao nos depararmos com um ninho ou até mesmo com um pássaro
 diferente, e pararmos para admirar tal visão, as pessoas ao nosso redor
 nos olham com certa curiosidade e ficam, geralmente, espantadas ao 
notarem que nem haviam se dado conta de que tal ninho estivesse ali ou 
que tal pássaro rondasse o lugar? 
Elas normalmente não conseguem 
enxergar aquilo com o qual não estão sintonizadas, e sabemos que dentro 
desse rebanho social, as pessoas não estão sendo formadas para entrarem 
em sintonia com os animais ou com a Natureza. A maioria nem sabe quando 
as quaresmeiras florescem, nem como é um filhote de sabiá ou jamais 
viram uma coruja de perto, não porque ela não exista em sua região, mas 
porque essa imagem não faz parte da sintonia da pessoa, ela só vê aquilo
 que a programaram para ver, mesmo que o animal em questão cruze seu 
caminho, sua mente não o projeta, ela simplesmente não o vê, não porque 
não consegue, mas porque não está conectada a tal imagem. Assim também 
ocorre com a Filosofia, muitos só conseguem ler aquilo o qual foram 
programados para ler, do modo como seus mestres igualmente foram 
programados, porém, com um empurrãozinho, as pessoas passam a ter dentro
 de si, imagens que antes mal sabiam que existiam, assim ocorre também 
com o estudo filosófico.
Há um livro interessantíssimo de Michel Foucault que se chama "Vigiar
 e Punir", onde em seu início é narrado o suplicio de um "Ser"1
 condenado pela Igreja, e os tipos de tortura as quais foi submetido 
pelo crime que cometeu. Hoje vemos muitas vítimas sendo submetidas a 
outros tipos de tortura e que, ao contrário de Damiens2,
 nada fizeram para merecerem esses suplícios. É através da "releitura" 
do texto desse filósofo, agora projetando dentro de cada um, imagens as 
quais jamais lhe foram dadas a conhecer, que poderemos comprovar que é 
imoral provocar sofrimento, posto que a dor se estabelece em todos os 
seres, que a vontade de viver também lhes é inerente, e que, qualquer 
ato contrário a isso se torna extremamente anti-ético. O livro inicia-se
 com essa narrativa da morte de Damiens, mas poderia ser a narrativa da 
morte de qualquer outro "Ser":
SUPLÍCIO
O corpo dos condenados
"Damiens fora condenado, a pedir perdão
 publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia 
ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, carregando uma tocha de cera
 acesa de duas libras; [em seguida], na praça de Greve, e sobre um 
patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e 
barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o 
dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será 
atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, 
cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será 
puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo 
consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao 
vento." (M. Foucault)
Todos os alunos do curso de Filosofia leram o primeiro capítulo do 
livro e ficaram horrorizados com tal brutalidade, como seria possível 
que existisse um tempo onde se praticasse tanta barbárie? Que homens 
eram aqueles que mutilavam e matavam sem qualquer tipo de remorso? O que
 a grande maioria desconhece, contudo, é que esses homens prosseguem até
 hoje em suas barbáries e com o consentimento desses mesmos alunos que 
ficaram tão revoltados. E se fizéssemos agora a projeção que eles não 
conseguiram ver, a ligação que não conseguiram fazer, pois não foram 
forjados a olhar além dos animais humanos?
SUPLÍCIO
O corpo dos condenados
"Sem nome" fora condenado à morte 
impiedosa, a portas fechadas dentro de uma sala com paredes brancas. Foi
 carregado a força, teve as "mãos" trespassadas por pequenos "cravos", 
os "pés" igualmente foram cravados, deixando-o a mercê de seus algozes. 
Seus olhos fitavam o rosto de seu torturador, que parecia ignorar-lhe o 
pedido de piedade. Seu peito foi aberto, e seus órgãos foram expostos 
até que a vida se esvaísse de seu corpo. As dores excessivas lhe tiravam
 gritos de agonia horríveis, que eram ignorados por aqueles que o 
cercavam. Depois disso seu corpo foi descartado como material biológico e
 seu sofrimento foi esquecido, porém repetido nos outros "sem nome" que 
lhe faziam companhia dentro da pequena cela."
Alguns, tal como Léon Faucher3, criaram então códigos de "ética", para que o sofrimento dos condenados fosse suavizado, o Comitê de Ética previa:
Art.1 - Celas maiores para os condenados, boa comida e cuidados de saúde, para que não morressem antes do suplício.
Art. 2 - Em casos especiais, era necessário o uso de drogas para que o
 condenado sentisse pouca dor e se mantivesse "vivo" até o fim do 
suplício.
Art. 3 - O condenado deveria ser "assassinado" de forma digna.
Art. 4 - O mesmo tipo de morte e de suplício só deveria ser repetido por carrascos especializados para isso.
Art. 5 - Não seria permitido repetir o mesmo suplício a menos que fosse estritamente necessário.
"O assassinato que nos é apresentado como um crime horrível vemo-lo 
sendo cometido friamente, sem remorsos". (Foucault - Vigiar e punir, 
pag. 12)
E esse é um tipo de crime que é cometido ainda hoje, nos mesmos 
moldes inquisitoriais, todos os dias e aprovado por inúmeros Comitês de 
Ética, sejam as portas fechadas de um laboratório de experimentação 
animal ou as portas trancafiadas de um abatedouro, a morte é a mesma, o 
suplicio perdura, e as pessoas tentam a todo custo, ignorar.
Para quem já leu as primeiras páginas do livro "Vigiar e Punir" , 
fica ainda mais fácil notar a comparação que há entre o que aconteceu ao
 infeliz Damiens e ao que acontece hoje em dia com os animais em tantos 
outros lugares4, uma realidade para a qual 
muitas pessoas ainda fecham os olhos, pois, como no livro, hoje ainda 
estamos sob o jugo do poder e da punição; o poder de algumas tradições e
 culturas que agem sobre nossa mente, o poder dos mais fortes sobre os 
mais fracos e nos calamos diante da acomodação mental que nos torna 
mansos e gentis, porque tememos ser punidos, e essa punição sabemos, 
virá de nossos próprios amigos, na forma da ridicularização por nossa 
opção alimentar, e isso nos apavora mais do que tudo. Fomos 
disciplinados para agir assim, e assim agimos, infelizmente. Não nos 
rebelamos porque pensar diferente nos torna "estranhos", e temos medo 
disso porque como um dia ridicularizamos aquele filósofo que nos mostrou
 a verdade sabemos que, ao ocuparmos o lugar dele, o mesmo ocorrerá 
conosco; só nós esquecemos de uma coisa: de que podemos mudar e talvez 
até sermos punidos pela mudança, mas mudar e aceitar a verdade é sempre 
melhor do que vivermos eternamente na caverna escura da mentira.
"O desaparecimento dos suplícios é, 
pois o espetáculo que se elimina; mas é também o domínio sobre o corpo 
que se extingue. Em 1787, dizia Rush: Só posso esperar que não esteja 
longe o tempo em que as forcas, o pelourinho, o patíbulo, o chicote, a 
roda, serão considerados, na história dos suplícios, como as marcas da 
barbárie dos séculos e dos países e como as provas da fraca influência 
da razão e da religião sobre o espírito humano."
Talvez seja esse pavor de ver-se extinguir o domínio sobre os corpos 
dos animais não humanos que mantenha o homem cego e surdo diante de 
tanta dor. E tal como dizia Rush, hoje podemos dizer o mesmo em relação 
ao pensamento das pessoas para com os animais não humanos, desejando que
 os abatedouros, os laboratórios, os circos , zoológicos entre tantos 
meios de exploração animal sejam nada mais nada menos, do que apenas 
lembranças tristes de uma humanidade que estava perdida.
Não podemos mais aceitar sem questionar, omitindo-nos diante desse suplício pelo qual os animais passam diariamente, esquecendo-nos que o 
que nos torna seres éticos é a ética que temos diante da vida. É essa a 
referência que desejamos mostrar as pessoas, a Liberdade de poder pensar
 além do que lhes é mostrado, a percepção de enxergar além do animal 
humano porque, embora os textos sejam totalmente antropocêntricos, 
libertos desse mal que atormenta a Ética, poderemos ver neles caminhos 
que nos levarão a Libertação Animal. Vamos realizar uma nova releitura 
dos antigos textos, vamos usar a Filosofia como "Mola", para alcançarmos
 coisas maiores que ela própria. Vamos libertar a Filosofia do 
antropocentrismo que a cega e que torna cego qualquer caminho para uma 
Ética de Libertação.
"Vi o solo semeado com o sangue de golfinhos, vi centenas de 
chicotes, correntes e celas de circos e zoológicos, vi agulhas e 
bisturis nos laboratórios, facas e marretas nos abatedouros; vi 
esqueletos horrendamente empilhados após suas peles serem arrancadas 
enquanto ainda estavam vivos...."
Ainda é possível acreditar que os suplícios realmente tenham acabado?
Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michel - Vigiar e Punir
Notas
1 Expandi esse conceito de "Ser" igualmente aos animais, posto que lhes deve ser permitido fazer parte de nossa comunidade moral.
2 Nome do supliciado que nos é apresentado no primeiro capítulo do Livro Vigiar e Punir
3 Foi o responsável por redigir um 
regulamento que tornava mais "humana" as condições dos detentos pouco 
antes de sua execução, não impedia, contudo, as torturas durante a 
execução.
4 As touradas, sangrentas e bárbaras são 
vistas como tradição, o mesmo ocorre com a farra do boi, com as 
vaquejadas e os rodeios, tão aplaudidos por uma platéia que desconsidera
 a si mesmo, tanto quanto desconsidera aos animais.
 
 
Simone
Nardi – criadora deste blog e do
antigo Consciência
Humana, colunista do site Espírita
da Feal (Fundação Espírita André Luiz) ; é fundadora do Grupo de
Discussão  Espírita Clara
Luz que discute a alma dos animais e o respeito a eles.Graduada em
Filosofia e Pós-graduada em Filosofia Contemporânea e História pela UMESP.
Gostou deste artigo?
Mande
um recado pelo
Nos
Ajude a divulgar 
©Copyright Blog Irmãos
Animais-Consciência Humana - Simone Nardi -2014 
 Todos os direitos reservados 
RESPEITE OS DIREITOS
AUTORAIS - CÓPIA E REPRODUÇÃO  LIBERADAS DESDE QUE CITADA A FONTE -
2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente; Sugira; Critique; Trabalhamos a cada dia para melhorar o Blog Irmãos Animais - Consciência Humana