“O Homem não é o único animal que pensa!
É o único animal que pensa, que não é animal.”
(Pascal)
É o único animal que pensa, que não é animal.”
(Pascal)
Penso, então existo – Je pense, donc je suis – para pensar é preciso primeiro existir; este era o princípio de toda a filosofia racional de René Descartes. Para ele, o conhecimento era algo incontestável, e ele desenvolveu seu método baseado numa dúvida metodológica de onde se partia do duvidoso, para se atingir o “conhecimento” e a “verdade”. Em sua busca rumo à “sua verdade”, tanto em seu “Discurso do Método” como em “Meditações Metafísicas” ele, de certa forma, exige que abandonemos todo o conhecimento que obtivemos até então e sobre os quais poderíamos levantar qualquer questão ou qualquer dúvida, principalmente as que fossem ligadas a parte da sensibilidade – os sentidos nos enganam, pois podemos pensar as mesmas coisas, estejamos acordados ou dormindo -.
Desta forma, segundo Descartes, não podemos aceitar nada que não seja
 evidente, nada que nos traga qualquer sinal de dúvida, será preciso 
reanalisar os problemas, estudá-los como se fossem vistos pela primeira 
vez, partindo da parte mais simples para a mais complexa; essa toda a 
base que o filosofo defendia, uma base racionalista. Seu objetivo 
principal era encontrar fundamentos para todo o conhecimento, sendo que 
seu método buscava as causas primeiras, por isso a “reforma” do 
conhecimento a partir de bases, para ele, mais sólidas. Através dessa 
metodologia, Descartes chegaria ao cogito Penso, Logo existo, que lhe 
permitiu discernir as ideias verdadeiras das falsas:
(…) percebi que, enquanto eu queria pensar assim que tudo era falso, 
convinha necessariamente que eu,que pensava, fosse alguma coisa. Ao 
notar que essa verdade, penso, logo existo, era tão sólida e tão correta
 que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam 
capazes de abalá-la, julguei que podia acatá-la sem escrúpulo como o 
primeiro princípio da filosofia que eu procurava. (Discurso do Método)
Após aceitar o cogito como ideia clara e irrefutável, Descartes 
necessitava de outra garantia, um “outro” alicerce onde pudesse 
construir e estruturar sua teoria, e encontrou esse alicerce na prova da
 existência de Deus. Todo o conhecimento de Descartes que o levou ao 
Cogito “Penso, logo existo”, ou seja, para poder existir como SER era 
necessário pensar, e desse racionalismo cartesiano, nasceu um problema 
que durante anos, e ainda hoje, tem causado inúmeros tormentos aos 
animais. Encontramos uma descrição desses problemas causados pela razão 
cartesiana no dicionário Descartes de John Cottingham:
“Com efeito, no século subsequente ao da morte de Descartes, seus 
seguidores celebrizaram-se pelo tratamento cruel que davam aos animais 
no curso da pesquisa experimental em fisiologia; sabemos que o próprio 
Descartes praticava a vivissecção com aparente serenidade”.
Ao separar a alma do corpo, Descartes chegou a conclusão, segundo ele
 racional, de que o pensamento sim era a essência da alma, sua razão 
então o levou a dizer que tudo o que não possuísse alma e uma linguagem 
inteligível, seria autômato. Sendo estes corpos desprovidos de 
pensamentos racionais nada poderiam sentir, e essa linha de pensamento 
foi o que o fez dizer que os animais – para ele irracionais, desprovidos
 de uma alma e de linguagem intelegível – não passariam de máquinas, já 
que para o filósofo a linguagem era a prova de que um ser é capaz de 
pensar, ter uma alma e sentir ; podemos notar aqui seu inegável 
antropocentrismo, ao colocar que a linguagem utilizada pelos animais 
para se comunicarem é apenas um sistema “fechado”, o qual o homem não 
compreende e por não compreender o desconsidera, ou seja, mais uma vez é
 escolhido apenas o Ser social, aquele que se relaciona com outros 
iguais a ele através de palavras e gestos, mas que não consegue se 
relacionar bem com o Planeta onde vive nem com as criaturas com as quais
 divide esse pequeno espaço. Os animais, não fazendo parte desse pequeno
 círculo social da fala, na visão racionalista de Descartes, igualmente 
não pensavam e não pensando, não passavam de corpos mecânicos. Havia 
algo inconstante no pensamento cartesiano, pois ele alegava que apesar 
serem, seres não pensantes e desprovidos de linguagem, não deixavam, 
contudo, de ter “vida” e uma determinada “sensibilidade”, que ele 
equiparava com alguns fenômenos inteiramente físicos. Para ele os 
“movimentos” e “gestos” dos animais eram processos mecânicos, totalmente
 materiais e desprovidos, devido a isso, de qualquer sensibilidade e 
autoconsciência, para ele não importava o que fosse animal ou vegetal, 
todos eram seres autômatos.
Vejamos a razão de Descartes para onde o levou, e aos seus seguidores:
• 1-Os animais não possuem uma linguagem inteligível que seja universal
• 2-Os animais não possuem consciência de si mesmos nem do mundo que os cerca – nem tampouco faculdades cognitivas
• 3-Não pensam, sendo assim não possuem alma, seus 
corpos se movem de forma mecânica e eles buscam alimentos tal como a 
carroça necessita de graxa ou um relógio necessita de corda, sendo assim
 não são mais ou menos sensíveis que estes
• 4-Não há qualquer necessidade de ética para com eles
Muitos mergulharam nessa teoria deixando a verdadeira Razão e o 
Conhecimento de lado, pois não notaram que ela deixava muitas questões 
em aberto em relação à sensibilidade animal:
• 1-Qual a certeza que poderia levar alguém a atestar que um animal não possuía alma?
• 2-Como ele poderia explicar a diferença existente 
entre um ser vivo , ou seja o animal, de algo sem vida , que seria o 
relógio, para com o qual Descartes comparava os animais?
• 3-Como explicar que a sensibilidade – nesse caso corporal- provenha unicamente do ato de pensar?
• 4-Por que a linguagem deveria ser a linha divisória entre um ser senciente e outro, para ele, desprovido de senciência?
A serenidade com a qual tanto Descartes quanto seus seguidores 
abriram animais vivos sem qualquer preocupação com o que poderiam ou não
 sentir, demonstrou claramente que nosso ego sobre o nosso 
“conhecimento” torna-se algo muito perigoso quando usado sem a Razão; 
tal conhecimento ou pseudo-conhecimento, pode nos fazer enveredar por 
caminhos que acabem por causar mais mal do que bem, e temos que ter 
dentro de nós que a Filosofia aliada a Ciência, em meio a tudo que faz, 
precisa ser a condutora do Bem, jamais o contrário. Não importa apenas 
saber se o conhecimento é possível ou não, o importante é direcioná-lo 
bem, não importa apenas se o homem atingirá a plena Razão, mas sim o que
 fará com ela se porventura vier a atingi-la, por isso a necessidade do 
uso correto da Razão com o auxilio da sensibilidade e da ética, diante 
de qualquer conhecimento.
Ainda hoje assistimos a uma imensa legião de seguidores cartesianos 
que acreditam que os animais, por não possuírem uma linguagem social 
compreensível a nossa, são inferiores e devam, segundo a razão deles, 
serem usados em experimentos sem qualquer escrúpulo, e vamos esclarecer 
aqui, que nem a analgesia é desculpa para que se permita o uso de 
animais em experimentos.. Hoje a própria ciência quebra seus paradigmas 
ao dizer que o número de neurônios do cérebro humano são compatíveis com
 os de um primata de nosso porte . O que isso prova? Prova que somos 
todos primatas, desde o animal que é ignorado e usado como cobaia, até o
 vivissector que se orgulha do que faz, não há como escapar, somos todos
 primatas, só que com uma diferença : nós, os primatas-humanos não somos
 capazes de nos respeitar como seres vivos.
Não importa aí se nosso cérebro tem um tamanho significativamente 
maior ou não, “o cérebro humano continua sendo o cérebro de um primata 
em escala maior”, diante disso demonstramos que não somos especiais, que
 não somos seres a parte na criação.
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| Imagem: Filhote de cão | 
Perguntem aos vivissectores por que fazem experiências em animais, e a
 resposta é: “Porque os animais são como nós”. Perguntem aos 
vivissectores por que é moralmente correto fazer experiências em 
animais, e a resposta é: “Porque os animais não são como nós”. A 
experimentação animal se assenta numa contradição lógica.
Charles R. Magel
Charles R. Magel
Diante dessa anomalia lógica, criada pela própria incoerência humana,
 qualquer conhecimento a respeito da senciência animal que não leve em 
consideração seu sofrimento, é colocado em dúvida, e faz surgir daí, 
novas anomalias. Os animais sofrem?Somos ou não iguais aos 
animais?Poderíamos levantar uma centena de questões, mas vamos relembrar
 algumas palavras de Voltaire, um discurso longo, mas que se encaixa 
perfeitamente ainda hoje, dentro do campo científico e filosófico, e que
 nos mostra quantas anomalias a ciência de hoje ainda precisa 
investigar, repensar e mudar seus paradigmas:
” Os filósofos dizem-me: Não vos enganeis, o homem é inteiramente 
diferente dos outros animais, tem uma alma espiritual e imortal (…). 
Escuto esses mestres e lhes respondo, sempre desconfiando de mim mesmo, 
mas nem por isso confiando neles. Se o homem tem uma alma, tal como 
assegurais, devo crer que este cão e esta toupeira têm uma semelhante. 
Todos me juram que não. Pergunto-lhes qual a diferença que existe entre 
este cão e eles. Uns respondem este cão é uma forma substancial; outros 
me dizem: Não acrediteis nisso, as formas substanciais são quimeras; 
este cão é uma maquina como uma manivela. Pergunto ainda aos inventores 
das formas substanciais o que entendem por essa expressão, e como só me 
respondem com galimatias, volto-me para os inventores das manivelas e 
lhes digo: se estes animais são puras maquinas, certamente sereis em 
comparação com eles, apenas como um relógio de repetição em comparação 
com a manivela que falais; ou, se tendes a honra de possuir uma alma 
espiritual, os animais terão uma também, pois são tudo o que vós sois. 
Possuem os mesmos órgãos com os quais tendes sensações, e se não lhes 
servirem para a mesma finalidade, dando-lhes tais órgãos Deus terá feito
 uma obra inútil.”
E nos lembramos que Descartes apoiou seu cogito na ideia da 
existência de um ser perfeito que seria Deus, sendo assim como poderia 
Ele, errar tanto em relação aos animais?Mas Voltaire continua, trazendo 
um pouco mais de luz as mentes sem “razão”:
“Mas de acordo com vossa própria opinião, Deus nada faz em vão. 
Escolhei, portanto: ou atribuís uma alma espiritual a uma pulga, a um 
verme, a um bicho do queijo, ou sois autômato como eles. (…) Portanto, 
esses órgãos dos sentidos são dados apenas para o sentimento, donde se 
conclui que os animais sentem como nós e, assim, só um excesso de 
vaidade ridícula pode levar os homens a se atribuírem uma alma de uma 
espécie diferente daquela que anima os brutos.”
Só um excesso de vaidade ridícula pode permitir que a ciência 
permaneça acomodada onde está, nesse modelo atual de matar para 
conhecer, nessa ciência de morte e não de vida.
Partamos então do duvidoso e do que nos é já é mais do que evidente; 
Antes acreditávamos que os animais eram diferentes de nós, e que era 
“ético” usá-los em experimentações, porém, os inúmeros estudos, 
levantaram inúmeras anomalias que nos obrigaram a mudar esses antigos 
paradigmas e hoje, reconhecendo que os animais são iguais a nós, 
reconhecendo que sofrem, torna-se totalmente antiético qualquer método 
que lhes inflija sofrimento, qualquer método que a nós, primatas humanos
 cause desconforto, também não poderá ser exercido sobre eles. Temos o 
conhecimento de sua senciência, temos o reconhecimento de seus 
neurônios, de seu DNA e a cada conquista que a ciência faz em seu campo,
 mais e mais ela mesma nos aproxima desses animais, tantas anomalias 
assim obrigam a ciência a se revolucionar, a buscar e a encontrar outros
 caminhos, a realmente se humanizar. É impossível a continuidade dessa 
contradição lógica sobre o qual a ciência caminha, ela não pode mais se 
calar e fechar seus olhos para essas anomalias que surgem a cada dia, 
anomalias que ela mesmo levanta e tenta esconder .
A Filosofia não quer tomar o lugar da Ciência, seu trabalho é apenas o
 de contestar, o de apontar as anomalias, de mostrar que elas existem e 
que urge essa mudança de paradigma, o trabalho filosófico é o de criar 
um senso crítico de modo a levar os seres humanos a eticidade e a 
moralidade. Somente exercendo verdadeiramente seu papel, é que tanto a 
Filosofia quanto a Ciência encontrarão seus verdadeiros Ethos, um Ethos 
de vida e não mais de morte. As anomalias existem, cabe aos primatas 
humanos agora, no uso de sua Razão, encontrar caminhos que Revolucionem 
não apenas o campo científico, mas a Razão humana, no trato com os 
animais não-humanos.
 
Simone Nardi
Simone Nardi – criadora deste blog e do antigo Consciência Humana, colunista do site Espírita da Feal (Fundação Espírita
 André Luiz) ; é fundadora do Grupo de Discussão  Espírita Clara Luz
 que 
discute a alma dos animais e o respeito a eles.Graduada em Filosofia e 
Pós-graduada em Filosofia Contemporânea e História pela UMESP.
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